Nada mais comovente

Não há nada mais comovente nesse mundo do que a cena de um mendigo levando pela pobre colerinha o seu cãozinho vira-lata! É de uma ternura irresistível vê-los caminharem pela rua, aos trapos, naquela gratuidade de que nada mais importa nesse mundo, nada que vá além de uma boa companhia: o homem entende o cão e o cão entende o homem melhor ainda - e isso é tudo! - vão os dois orgulhosos escapando de minha vista consternada, nem sequer me viram, adiante passaram... Até que o mendigo, mais humilde que o seu cão, volta-se para trás e me acena; pensei que fosse esmola, mas queria apenas um sorriso... Continuei minha viagem.

E muito embora seja a cena do mendigo e do cão uma coisa comovente, nada é mais comovente do que aquele aviãozinho ao longe estendendo no céu o seu melancólico tapete de fumaça, longe, muito longe do meu triste subúrbio... Como é lindo e inacessível o aviãozinho que estende tapetes de fumaça! Quando menino era louco para ter um, mas minha mãe nunca me deu, não fazia caso nenhum dos meus apelos infantis, me descia a mão na cara.

Mas sem dúvida, mais comovente do que a cena do mendigo e seu cão, e mais comovente do que o aviãozinho, é outra coisa: é de repente ver uma mulher chorando e aí a gente fala quase sem querer uma coisa bem engraçada pra ela, e ela começa a sorrir uma gargalhada bem gostosa: ah, as outras coisas que me perdoem, mas nada é mais comovente do que um sorriso entre lágrimas!

Não quero aborrecer ninguém com essa história do que é mais comovente, mas todos vão ter que aceitar que nada é mais comovente no mundo – ainda mais do que a mulher que sorri entre lágrimas – do que o homem que simplesmente chora. Sim, minhas senhoras, nada é mais comovente no mundo do que o homem que chora!

O homem que chora só perde para a cena da criança que trás um gato todo remelento para dentro de casa, aquele pobre gatinho doente que os pais nunca vão aceitar; só perde para a bela mulher que passa na praia com o seu biquíni amarelo; e para aquela outra que passa de biquíni rosado; e aquela outra que passa de tanga; e para a outra, trágica morena, que passa meticulosamente vestida de luto, mas que, espantosamente, mexe com os nossos desejos mais sacanas, mais do que qualquer outra.

Meu Deus, nada é mais comovente que a perseverança de um cancerígeno, do que um filhote de gato dormindo, que a desolação de um idoso; do que o pai de família que gasta o pouco que tem para ver o jogo do seu time do coração e ainda assistir a amarga derrota; nada existe de mais comovente nesse mundo do que um cachorro guiando um cego; do que um choro de Pixinguinha; a triste flor no deserto; o Pequeno Príncipe; um poema do Bandeira; uma canção da Legião Urbana; a amiga dormindo que nem criança com a boca aberta; do que a saudade das moças de Dorival Caymmi esperando seu amor na beira da praia; o choro de uma mãe que acabou de perder o filho; do que um passarinho morto!

- Não, não há nada mais comovente nesse mundo do que aquilo que é comovente para você nesse momento...

***

Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 09/12/2008
Reeditado em 17/12/2008
Código do texto: T1326441