Florianópolis, Canudos e o Colhão de Ferro
Há alguns anos, fiquei meses lendo, destrinchando, quase que traduzindo, o maior texto da literatura brasileira: Os Sertões. Sou incondicional admirador da obra: profundidade vocabular, excelente colocação pronominal, boa coesão e estonteante jeito de dizer. Tem-se a impressão de que o autor pesou e mediu cada sílaba. Hoje em dia, apesar do Word, o Brasil é incapaz de produzir um novo Euclides, a não ser eu, daqui a alguns anos. Kkkkkkkk
Mas quero falar sobre o Colhão de Ferro, alcunha do Marechal Floriano Peixoto entre os soldados. O presidente havia de conter insurreições que pipocavam no Brasil inteiro. O Sul manifestava sua insatisfação através do Quartel General ambientado em Desterro, capital catarinense. A fim de conter os ânimos sulistas, o Colhão de Ferro lá enviou um dos mais leais generais: Moreira César, que bem se podia chamar Colhão de Aço, inoxidável!
Truculento, impiedoso e leal ao regime, Moreira César implantou o terror: bateu, prendeu, torturou, decepou e matou a quem bem entendeu. Tudo pela unificação e paz da pátria grande. Mais ainda era pouco e o general paulista mostrou que merecia confiança; certamente considerava muito feio o nome da cidade (e neste ponto estava certo) e então a rebatizou: Florianópolis! Imagine a cara de felicidade que fez o Colhão de Ferro ante tal prova de competência e lealdade lhe ofertada pelo súdito general.
Quando li Os Sertões tais detalhes passaram despercebidos. Eu estava interessado em ver o Antonio Conselheiro (êmulo dos meus ancestrais no sertão cearense) se ferrar, ser degolado e deixar de ser louco e veado. Monarquista, um cacete! Um espertalhão nababesco cuja vida era um mar de dinheiro e jóias – tudo à custa do sofrido povo sertanejo. Pelo menos é o que deixa claro o magnífico filme “A guerra de Canudos”, quando um mascate cearense foge com um verdadeiro tesouro e a benção do Conselheiro.
Mas por que toda esta explanação? Li recentemente (há necessidade de aprofundamento nisto) na net que há em Florianópolis um forte movimento para que se mude o nome da cidade. Muitos habitantes, ainda hoje, consideram-se ofendidos e ultrajados com o desaforo. E as discussões invadem escolas, faculdades, becos e botecos de Floripa, de Floriano.
Que coisa não?! Mas, há um consolo, só um consolo.
A noticia de que o alagoano Floriano enviaria Moreira César (o cão de carne, o arranca cabeças) e seu canhão (a matadeira) a Canudos caiu feito uma bomba entre os sertanejos. Entrincheiraram-se homens, mulheres e crianças – todos com uma única finalidade: cortar o pescoço de Moreira César e lhe tomar a matadeira, apesar de não saberem como usar a máquina de guerra de última geração!
Cheio de marra, pisando firme e falando grosso, chegou ao sertão nordestino o General a menosprezar àqueles míseros jagunços. No dia seguinte a cabeça do militar todo-poderoso e arrogante estava pendurada numa estaca à beira da estrada aos urubus! E os sertanejos tripudiavam em cima dos restos mortais do exército, e da matadeira. Foi por poucos meses. Mas, foi marcante!
Depois por lá chegou outro general, um gaúcho pedófilo - comia as sertanejinhas – e acabou com tudo. O que não se faz em nome da lei e da união nacional...