Conversa Afiada

Conversa afiada

Estava a lembrar da minha cidadela...

Escondida em cima de uma serra, num interior onde dizem que Judas perdeu as botas.Lá a conversa rola solta. As comadres vão de porta em porta anunciar o dia que amanhece, convidar pra ir a missa cedinho, ou até falar do leite que veio azedo, e o vaqueiro, é quem leva a culpa.

Amanhece o dia, já com a cantoria do Manezão! Eita garganta afiada!Competindo com o galo no poleiro

.Lá na cidadela a vizinhança troca acerolas por ovos, troca caju por café, e haja juntar mulher pra lavar roupa, estender roupa, tudo por cima do muro, que de lá se ouve a conversa de cá! E de cá dá pra ver Maria se enfeitar, João se escovar, Mane dormir.E a mulher a conversar alto teimando em fazer acordar quem está a roncar

Senti saudades dessa conversa de pé de porta, desse fuxico de quintal, apanhando manga, dando milho pras galinhas, e varrendo com vassoura de palha o quintal.

Pois bem, comparando eu o mundo de lá com o que eu vivo atualmente, presa num apartamento, onde só se ouve o vento, até o cantar de pássaro parece perdido, esquecido, juro que chega a ser um ritual sagrado, um verdadeiro maná vindo do céu.Vi que estava perdida, triste, sucumbida.Como poderia eu viver sem falar, sem assentar-me nas calçadas e falar da vida alheia, do bem e do mal, do tempo bom e do tempo passado?

Aqui não ouço mais as comadres cochicharem, não vejo mais o leiteiro bater palma e entregar o leite, o Manezão anunciar rasgando a guela, as bananas maduras.Aqui dentro desse cubículo só dá mesmo pra ouvir a voz do coração.

Foi então que cheguei à conclusão:

Ou escrevo ou morro, ou falo ou me calo pra sempre.

Acertei o martelo, nessa minha sentença: Dei pra ouvir ruídos de um tec tec, tap tap, era nada mais nada menos que a voz ansiosa de muitas bocas querendo saciar a vontade de se fazer ouvir, de se fazer irmã, de sentir e pôr pra fora a solidão.

No meio de uma tarde solista e triste, saudosa da minha terra e das conversas amigáveis dos meus vizinhos, de sentir o cheiro bom do café, da sopa bem cedo da tarde, do pão torrado, e do galo já a se pôr pra dormir, me pego nesse tec tec tac tac e sorrio, pude deixar fluir a imaginação e adentrar os mundos, as casas, as cidades, os castelos,os sonhos, os anseios de muitas mentes.

Foi através Ada Internet que saciei minha vontade de me fazer ouvir, de ser amiga e irmã.

Para minha alegria, as novas companheiras de mundo virtual eram parecidas comigo, também desejavam o mesmo que eu. Ser abençoadas, solidárias, cúmplices.

E assim foi crescendo a comunidade Crescer, eu e mais de quatro mil mães agora reunidas num bate boca virtual.-Quer café? Diz de Minas. -Estou comendo arroz doce! Soa lá de São Paulo.

_Mas eu prefiro bolo, faço do bom e do melhor! Ouço o grito alegre de Aracaju. E uam mistura de vozes, fome, sorte, amizade se anuncia, se faz ouvir e valer, se presenteia matando a saudade e trazendo o bem.A miscigenação vai se confundindo, não somos todas uma só?

Mães, mulheres, esposas, trabalhadoras, aflitas, ansiosas, sós, e completas! Por que não?

Um Chat presente foi tudo que precisávamos pra anunciar a boa notícia.Pode –se agora falar a vontade.

Espera ai! Não é que posso ouvir o cão da casa latir!

E sentir o cheirinho do bebê a dormir!

Escolher o cardápio com a amiga e oferecer sugestões de compras,

Foi num dia saudoso e triste que a luz raiou, nada é passado tudo é novo.O que era a calçada sombreada de algarobas, agora é um teclado, uma escrivaninha e uma xícara de café!

Você quer um?

Está fresquinho!

Paula Belmino