Uma mulher marcada

Tinha trinta e cinco anos. Morena, com boa estatura e peso, nem alta, nem baixa, nem magra, nem gorda. Olhando com mirar rápido, via-se que era uma bela mulher.

Bela por fora, feia por dentro. Não ligava a mínima para seus próximos: ignorava pai e mãe, esta adoentada. Para o mundo, estava seca. Executiva próspera de corretora da bolsa ganhava o que queria. Informações privilegiadas são comuns entre os grandes. Sabem com antecedência qual a empresa vai bem ou mal. E tratam de comprar as ações que vão render.

Ela era assim. Dura, difícil de ser quebrada, escolhia seus namorados e atacava sem a menor cerimônia. Por ser mulher bonita, sempre estava ao lado de quem desejava.

Certa noite, acompanhada de uma recente conquista, foi ao teatro ver uma peça de dança flamenca. Belo espetáculo, o preço pago pela entrada, alto, não foi desperdiçado. Tanto o corpo de dança como o solista de violão, aluno de Paco de Lucia honraram a tradicional dança espanhola. Na saída, pararam num conhecido restaurante e ambos tomaram boas doses de uísque e apreciaram o acompanhamento que a casa oferecia. Tudo indicava que a noite dos escolhidos pela sorte terminaria em prazer. Dormiriam juntos, e depois ninguém é capaz de saber nada. Este tipo de mulher tem esta característica: imprevisível.

O consumo do uísque fez com que seus reflexos diminuíssem, e assim morreu atropelado um ciclista negro, que não teve culpa nenhuma no acidente, segundo o que muitas testemunhas contaram. Fugiu, não prestou socorro e tinha uma certeza. A da impunidade. Ninguém viu, não haveria problemas.

Era o que pensava, mas dois casais, namorando num quiosque próximo, anotaram o número da placa do carro. No inquérito policial, ela provou com nota falsa que se encontrava em outro município, na hora do acidente. Diante da prova, foi encaminhado ao Ministério Público como crime de homicídio culposo, sem autoria certa. Foi arquivado, na justiça.

Não o foi, no entanto, pelo pai do morto, que sabia da história verdadeira. Velho marginal, hoje solto por ter cumprido sua pena, mais cedo, mais tarde, e a autora vai pagar com a vida o ato que cometeu. Naturalmente ela não sabe disso, o que vai facilitar muito os tiros de dois motociclistas.

É o mundo de hoje, a vida que levamos...

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 08/12/2008
Código do texto: T1324740
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