MEDITAÇÃO SOBRE O NATAL
Estamos à porta do Natal do Senhor, e com ele o grande mistério da fé (magnus mysteryum fides), em que Jesus é o rosto divino do homem, e rosto humano de Deus. Proponho-me compreender tal mistério, a partir da Oração do Senhor, o Pai Nosso. Entretanto, é necessário conhecer as origens desta festa.
Muito longe de formatar povos; culturas e raças, a fé cristã possui a característica de se desenvolver no meio destas. Pois, esta surge na história como uma proposta e não como imposição dum império hierárquico. A unidade cristã dar-se-á numa só fé (em Jesus, o Cristo), e não numa cultura ou num poder e muito menos por uma instituição. Ela não tem cultura, mas sua beleza consiste em desenvolver-se no seio das diversas culturas presentes neste planeta. Por isso, o Apóstolo percebendo que a Boa Nova não se reduzia ao mundo judaico, partiu para pregá-la aos pagãos, e hoje, ao ler suas cartas é perceptível que ele utilizou-se duma linguagem apropriada para cada Igreja
Na Roma imperial celebrava-se a festa do Natalis Invicti, o nascimento do sol vencedor, no dia 25 de dezembro, justamente por causa do equinócio de inverno, em que a noite mais longa do hemisfério norte começa a encurta-se. Assim, o sol manifestava-se como vencedor, já que o dia começava a ficar mais longo. Aí está também a origem do costume cristão de rezar voltando-se para o Oriente, na direção, portanto, do sol nascente. Eis o que significa celebrar a missa de “costa”. Com razão, os cristãos, como mestres da inculturação, aproveitavam-se de elementos culturais e religiosos do império mais civilizado e racional da antiguidade para celebrarem uma festa importante em sua relação com o mistério pascal de Cristo. Assim, a imagem de Cristo, sol da justiça, vai permeando o Novo Testamento. O Apóstolo clama: “Desperta, ó tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, que Cristo te iluminou” (Ef5, 14).
Com o passar dos tempos nos é permitido esquecer o essencial desta Solenidade, por isso, fiz questão de salientar o processo de inculturação, significando isto não uma perda da própria identidade, mas sim, uma elasticidade da mesma. Depois desta introdução entre o processo de inculturação e a origem do Natal, voltemos ao nosso tema. São Paulo diz aos Romanos e a nós, “Non enim accepistis spiritum servitutis. Sed accepistis spiritum adoptionis filiorum. In quo clamamus: abbà pater” – não recebeste um espírito de escravidão, para cair de novo no temor; recebestes, pelo contrário, um espírito de adoção, pelo qual clamamos: Abba, Pai! – (Rm 8, 15). Reconhecer Deus como Pai, é num primeiro momento fácil, mas que com o tempo tornar-se-á uma tarefa dificílima, pelo simples fato de não reconhecê-lo como base do nosso existir. Deus é a raiz do ser, tendo como significado tal proposição para o homem que Deus é tudo: sua causa primeira e seu fim último, a fonte de sua vida, a luz da sua inteligência, a chama da sua esperança, o objeto do seu amor, “com Deus está em jogo toda a nossa existência, presente e futura, a maneira de entender a vida, nosso projeto de humanização, os valores fundamentais aos quais confiamos a realização de nós mesmo” (Mondim).
O salmista reconhece esta paternidade e, por isso, canta “Tu és Meu Filho, hoje te gerei.(Sl 2, 7) e o profeta Samuel continua, “Eu serei para ele um pai e ele será para Mim um filho” (2 Sm 7:14). São palavras proféticas: falam de Deus, que é Pai no sentido mais elevado e autêntico da palavra. Disse Isaías: "Senhor, Vós sois o nosso Pai: nós somos a argila e Vós sois o oleiro; todos nós fomos modelados pelas Vossas mãos” (Is 64,8) e continua, “O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-Se de mim. Acaso, pode uma mulher esquecer-se do menino que amamenta? Ainda que ela se esquecesse, eu nunca te esquecerei” (Is49:14-15).
Atualmente, corre-se o perigo de não mais reconhecer Deus nos outros, o que é pior, ignorar que o esse outro é a Epifânia, manifestação de Deus. “O segredo de uma vida de oração profunda não está no tempo que se consagra a esse exercício, ou no método que se adota, mas no amor crescente pelo Cristo. Aparecem aqui, no entanto, as dificuldades. Que é amar o Cristo? Como fazê-lo? Talvez, seja mais fácil amar o próximo, ou mesmo ao inimigo. Mas que significa a amizade pelo Cristo? João Batista, os Apóstolos, e a Virgem Maria viveram com ele: viam-no e ouviram; como não o teriam amado? Mas amá-lo sem vê-lo! [...] é nesse tempo que o mistério da Encarnação atinge o homem em sua vida cotidiana, em sua vida de oração. Se Deus tomou uma fisionomia humana, foi para ser visto e, depois, imaginado. Posso atribuir-lhe este ou aquele rosto, não importa que rosto, não importa que rosto humano, a fim de contemplá-lo e amá-lo. De fato, não se ocultou ele próprio, ao mesmo tempo que se revela, depois da Ressurreição, sob aparência de um viajante, os peregrinos de Emaús; de um jardineiro, a Maria Madalena; de um ribeirinho aos Apóstolos que pescavam no lago? Quanto a nós, se cremos que ele vive e está presente, pouco importa que permaneça invisível em sua fisionomia própria. Qualquer rosto de homem pode ser o seu e revelar-nos sua pessoa” (Max Thurian).
Por isso, é significativo que nos trechos do profeta Isaías, a paternidade de Deus ganhe conotações que se inspiram na maternidade. Na plenitude dos tempos messiânicos, Jesus anuncia muitas vezes a paternidade de Deus nos olhares dos homens referindo-se às numerosas expressões contidas no Antigo Testamento. Para Jesus, Deus não é apenas o Pai de Israel, o Pai dos homens, mas o seu Pai, o meu Pai:
Pai nosso que estais no céu santificado seja o Vosso nome venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje e perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação mas livrai-nos do mal.
Dixit!!!