SAUDADE DOS GÊNIOS
Hoje enrolei bastante para acordar, tanto que era quase 13h00 quando resolvi levantar da cama. Tinha que dar almoço para minha filha e ainda havia uma pia repleta de louça suja para que eu lavasse. Detesto pia cheia de louça suja. Fico com uma péssima impressão, pois parece que a casa está de pernas pro ar. Lavar louça é um porre! Eu particularmente detesto, faço apenas por necessidade, com um mau gosto tremendo.
Para a atividade de lavar louças ficar menos penosa, resolvi colocar um disco da Elis Regina, tal disco foi emprestado por uma amiga do trabalho. Na realidade são cinco discos, uma coletânea das Seleções do Readers Digest.
Comecei a separar a louça, logo começou a tocar “Aprendendo a Jogar” do Guilherme Arantes. Que ótima música para começar. De início um super contra baixo dá o ritmo, entram os backing vocais e logo todos os instrumentos, fiquei pensando qual seria o ritmo em que se encaixaria tal música, seria um rock? Não consegui identificar. E logo outras e outras músicas ótimas vieram na seqüência.
Abri a torneira e a cabeça começou a ir longe. Por que a Elis Regina era ou ainda é considerada a melhor cantora do Brasil? Ouça esta música que eu citei e você verá. A Elis não apenas cantava, ao ouvir suas gravações tem-se a impressão de que ela vivia o que cantava, o que mais marca nela é sua interpretação ímpar. Seus gritos, seus sussurros até a forma como ela puxava o ar. Uma maravilha!
Lembro-me até hoje do dia de sua morte, o dia 19/01/1982. Eu estava na casa de um primo e se passava aquele alvoroço na televisão, todos queriam saber o que havia acontecido com a Elis, como ela podia ter morrido assim tão jovem, aos 36 anos, quanto talento desperdiçado. Não percebi naquele momento, mas naquele dia um dos mais belos frutos do Brasil expirava.
Jogando água nos pratos, fiquei pensando que não há em nossa época atual nenhum, nenhum mesmo, cantor, compositor, cantora, escritor ou artista que seja genial. Há bons artistas, competentes. Mas aquela faísca de genialidade que há uns trinta anos atrás sobrava em um monte de gente, hoje já não se encontra em ninguém.
Temos o Zeca Baleiro, o Lenine, a Maria Rita, a Ana Carolina, o Seu Jorge, a Vanessa da Mata, todos muito bons, mas nenhum deles, nenhum, pode ser considerado um gênio.
Lavando os talhares, pensei que em épocas passadas até mesmo na política havia pessoas geniais. Um exemplo: Jânio Quadros. Lembrei dele enquanto esfregava a esponja nos garfos. Quem faria de uma vassoura o símbolo de sua campanha eleitoral? E ainda com sucesso? Até os jingles da campanha dele eram legais, lembro-me até hoje das baboseiras do Jânio, baboseiras geniais:
“Chegou a hora da honestidade
Do trabalho da saúde, educação
O Jânio vai voltar com a vassoura
Pra acabar com a corrupção
O povo vive na intranqüilidade
Em São Paulo ninguém tem mais segurança
Com tantos marginais andando a solta
Jânio Quadros é a única esperança”
Já estava quase terminando com os copos, quando lembrei que este jingle foi da campanha para prefeitura de São Paulo em meados da década de 1980. Campanha em que Jânio saiu vitorioso. Há também as histórias fantásticas da sua genialidade ao responder perguntas de repórteres que queriam complicar sua vida. A mais famosa é esta:
- Sr Jânio, por que o sr bebe?
Responde Jânio:
- Eu bebo porque é líqüido, porque se fosse sólido eu comê-lo-ia.
O cara ainda responde usando uma mesóclise no final da frase!
Comecei a limpar o fogão, então me veio outra história que contam sobre ele, é que havia uma época em que ele estava fazendo diversas viagens internacionais, então seus adversários começaram a criticá-lo dizendo que estava gastando muito com tais viagens. De onde viria o dinheiro para as escapadas internacionais? E fizeram esta pergunta a ele; assim respondeu:
Primeiro, puxou um cigarro do bolso do paletó. Colocou o cigarro na boca e começou a procurar nos bolsos pelos fósforos. Batia com as mãos sobre o corpo para lá e para cá freneticamente e nada, logo os repórteres perceberam e vários braços se estenderam oferecendo fogo a Jânio.
Ele acendeu o cigarro, deu uma profunda baforada e respondeu:
- Vocês estão vendo? Não tenho dinheiro nem para os fósforos, mas quando preciso tenho vários amigos que me oferecem fogo. Quando preciso viajar tenho vários amigos que se oferecem para pagar as viagens que faço.
Ao lavar a louça hoje fiquei pensando se alguém poderia fazer alguma coisa parecida com as loucuras do Jânio. Sei lá, alguém aparecer com uma esponja enorme, detergente, uma mangueira esguichando água dizendo que lavaria a corrupção do país.
Certamente isso soaria ridículo. Uma caricatura de tempos em que estas coisas eram levadas a sério. Tempos em que a música era ótima, a literatura era fantástica, as pessoas tinham ideais, as crianças brincavam na rua, o futebol era confundido com arte e até entre os políticos havia gênios. Nossa época é carente de genialidade.
Hoje, lavando louça, tive saudade dos gênios.