HIPÉRBOLE OFICIAL
A linguagem é um fenômeno que nunca pode ser entendido como espelho da realidade. Falar, expressar idéias em forma de palavras é apenas uma convenção. Nunca se pode considerar qualquer afirmação que seja, como se esta fosse a expressão última da verdade. E por que falo isso? Uma palavra expressa um conceito, ela é um estímulo nervoso transformado em som. É necessária para as relações entre os homens, é convencionada unicamente para as necessidades humanas, portanto é arbitrária. Pode-se nomear qualquer coisa com qualquer nome, claro, se deixarmos de obedecer às convenções do idioma. Ora, não há para uma palavra diversos significados? Em outras línguas, para uma mesma coisa, não há uma ou mais palavras diferentes para designá-la? Onde está a verdade?
Falei tudo isso porque apesar de saber que a linguagem nunca corresponde exatamente à realidade, que esta toma sempre considerações gerais, em detrimento das características particulares, pois seria impossível para nós termos uma linguagem perfeita, completamente unívoca, com palavras específicas para cada situação, cada sentimento, fenômeno, coisa, enfim..
Mas, amo as palavras. Por meio destas expressões distorcidas da realidade criam-se obras de arte! E ainda as palavras e o juntar destas, para quem bem maneja um idioma, podem ser um excelente veículo do pensamento. Possui uma subjetividade riquíssima aquele que é apaixonado pelas palavras, pelos livros. Praticamente tudo é possível dentro da linguagem.
Fico impressionado, falando agora de figuras de linguagem, com a quantidade de hipérboles que falamos todos os dias. “Estou morrendo de fome!”, “Estou super cansado!” “Já subi esta escada mil vezes hoje!”, quanto exagero! E percebo que inconscientemente, essa linguagem acaba tomando conta da subjetividade do falante e este acredita no fardo enorme que carrega. A vida de quem pronuncia muitas hipérboles acaba ficando pesada. Sócrates já expressava como estava farto da vida e o peso que esta representava para ele: “Viver é estar enfermo durante um longo tempo”. Não é sem motivo que Nietzsche o chamava de decadente. Como podemos encarar a vida assim de forma tão pesada?
A vida deve ser leve como uma crônica. Vive melhor aquele que ri de si mesmo, ri da vida, aquele que não leva a vida muito a sério, que não vive uma vida culpada por existir.
Hipérboles. Vamos falar sobre hipérboles. Ouvi na televisão que o governo de São Paulo está fazendo uma “revolução” no transporte público da cidade. Revolução? Achei que revolução era uma palavra de sentido muito forte para ser dita nesta situação. Não tive dúvida, fui até o dicionário para saber qual o significado corrente da expressão, transcrevo gentilmente agora para o meu estimado leitor:
Revolução: Transformação radical de estrutura política, econômica e social, dos conceitos artísticos ou científicos, etc. (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira; Século XXI).
Estava correto. Eu estava correto. O governo de São Paulo usou a propaganda oficial para propagar hipérboles. Mais especificamente falando: Haverá um aumento de 18,4 Km de malha ferroviária e 17 novas estações, numa linha que se chamará laranja e ligará a estação São Joaquim à Freguesia do Ó e a previsão de conclusão da obra é para 2012. Estes números representam uma “revolução” nos transportes paulistas?
Vi uma reportagem a algum tempo, com um renomado professor de urbanismo da USP, este já um ancião. Tal senhor dizia que no ritmo em que o metrô paulista é construído, levariam 450 anos (450 anos, é isso mesmo!) para este dar conta da demanda paulistana.
O professor apresentou um mapa em que havia um enorme retângulo com dezenas de retas paralelas e perpendiculares e dizia que aquele desenho representava a cidade de São Paulo. O encontro das linhas seria cada estação de metrô que deveria ser construída. O desenho, em seu aspecto visual, era como um tabuleiro de jogo de xadrez, mas com muito mais casinhas.
O urbanista também disse que em São Paulo são emplacados cerca de 700 automóveis por dia, e que, para a situação ficar como está, não melhorar, deveriam ser construídas pelo menos mais umas cinco avenidas Faria Lima. Disse ele que provavelmente em 2012, a cidade sofrerá um colapso geral em seu sistema de tráfego urbano.
Então aparece a propaganda oficial do governo na TV e diz:
Estamos fazendo uma revolução nos transportes!
18,4 Km de metrô = revolução?
Estranha a equação do governo de São Paulo, será uma equação que mira o ano de 2010? Será nosso governador um homem de tendências barrocas?
Hipérbole. Constatei que o conceito de revolução de nossos políticos é um tanto diferente do que consta no dicionário. Bem, talvez por serem tão poderosos, eles também possam legislar no sentido de perverter o significado das palavras. Assim ninguém mais sabe qual é o significado correto e fica mais fácil de disseminar um monte de mentiras.