NA CASA DELA
NA CASA DELA
Estive fora da minha casa, que é na Gloria, no Rio de Janeiro, por alguns dias porque ela, que trabalha o dia inteiro, precisava de alguém para receber os marceneiros que iam instalar os seus armários, conquista que ela alcançou depois de quase dois anos, com seu próprio esforço do seu trabalho e do seu empenho e mérito. E, quem é alguém?
Claro, eu. Eu sou o alguém.
Bom, lá fiquei. Significa que saí da minha paz, do meu habitat de paz, de equilíbrio, de encanto em escrever ou sonhar e planejar coisas relativas aos escritos, de ser bagunçada, de ter sempre ao meu alcance pilhas de livros que leio tudo ao mesmo tempo, de comer na hora que dá vontade, de dormir na hora que o sono vem, de não descuidar das minhas plantas na varanda e nem da aguinha doce diária para os selinhos e os dois beija-flores, os meus companheirinhos de encantamento, que me abrem o sorriso na cara quando os vejo sorvendo aquela aguinha na varanda, amenizando todo e qualquer pensamento desnecessário ou inoportuno. O nosso próprio habitat é a nossa casa, é a nossa vida, é a nossa liberdade construída. E esta conquista é muito valiosa, aliás, imprescindível para se viver.
A casa dela é um apartamento novo, nono andar, bela vista da Barra aonde vai despontando espigões residenciais numa velocidade tal, que daqui a pouco, não se verá mais a linha do horizonte, nem o mar e quase nem o céu.
Para contribuir já fiz pra ela a cortina de cassa que suaviza seu quarto. Já dei meu aparelho de jantar chinês, porcelana delicada de presente de casamento meu do passado e usado toda a vida, e mais o faqueiro de prata, este é lindo mesmo, só para uma pessoa querida como ela eu daria, e mais... Tantas coisas que nem sei como costurei diversos jogos de lençóis do percal mais fino, almofadas bordadas e... Além de panos de prato bordados que preenchiam minhas horas de solidão e, nestes, eu descarregava minha criatividade quando ainda não escrevia para o Recanto das Letras. Uma coisa minha foi o meu acervo de arte, bem precioso que, a pedido dela dei também.
Aliás, isto é uma descoberta meio que recente: dar as coisas que nos são preciosas, Se alguém está me acompanhando, eu recomendo que experimente fazer. É uma libertação. A gente se desprende daquilo e parte para novas descobertas e novos encantamentos que são parecidos com VIDA. Vida presente, contemporaneidade. Uma delícia.
Antes de sair da casa dela, sentei ao computador e comecei QUERO IR EMBORA DAQUI, que seria uma possível crônica. Mas ela chegou pra me levar até um local perto de taxis de confiança, pois que, aqui no Rio há que se aprender como viver. Há horas e locais de se ir e outros de não se ir, de modo algum.
Pro motorista falei “vamos pelo litoral”, pois tenho medo da Linha Amarela e, além disso, o mar é mais bonito. E foi uma longa viagem.
O mar do Rio é a coisa mais linda mesmo. Cheio de beleza... Eu e o motorista viemos tecendo filosofias e conjecturas sobre o mar e seus mistérios e rolou um bom papo, pois os motoristas cariocas são ótimos de conversar, têm muita coisa a contar também e a trocar, e eles são um rico manancial, parecem livros falados. Ele me contou toda a sua vida, e eu também contei toda a minha vida. Empatamos. Filosofando. Fotografei o Rio na minha emoção e registrei muita coisa interessante.
Mais de duas horas durou o percurso e a minha cabeça começou a doer de tanta falação e de tanta informação ao mesmo tempo. Mas chegamos a Gloria .Desci. Cheguei. Abri a porta. Entrei.
Minha casa!
Olhando, andando, deliciando e cantando “itifonrome, itifonrome, itifonrome, itifonrome...”. A emoção de se sentir bem e livre na própria casa. Que nem o ET dizia no seu filme: “ET, phone home”, mas eu não sei inglês nem quero saber, só ficou o aprendizado do Ginasial e o que se ouve nos filmes, sem se querer. Descoberta recente também é que tenho memória associativa ou visual e emocional. Decorar não é comigo. Entender é comigo e fundamental. Memória verdadeira e normal não é minha área.
Soltei-me na cama, enquanto comia uma tortinha diet trazida da Barra e, olhando os cômodos espaçosos e agradáveis do meu apartamento, onde o corpo e os pensamentos se soltam em total liberdade, no meu habitat, num prazer tal, que comecei a andar, olhando tudo e murmurando “itifonrome...”
Mania que tenho é falar um som de alguma coisa que associa outra coisa. Por exemplo, quando meus filhos começaram a usar computadores, há uns anos atrás, falavam palavras que eu escutava sem entender, mas que marcava o som e alguns eu repetia alto como um canto novo em diversas entonações para riso deles, como “romipeídji, romipeidj, ROMIPEIDJI...” Até hoje brincam comigo “home Page”...
Na casa dela estive por amor em ajudá-la, mas foi árido ali ficar, só contava com três opções: ver TV, usar computador feito para alemães, ou conversar com os marceneiros, dois ótimos rapazes. Não agüentava mais, interrompi o meu viver... Só era bom quando ela chegava à noite e íamos papear e assistir o HAUSE, muito divertido.
E valeu, pois seus armários ficaram lindos e ela toda feliz