Amor de Pai

A sua foi a droga? Quem me dar ter tido essa sorte... A heroína é cara mas não está assim tão facilmente disponível. Os arrumadores de automóveis? Ó homem tenha dó! Que poderiam esses merdas contra mim? Eu liquidava-os a todos se preciso fosse, amigo. De uma assentada, numa noite, a todos. Não escapava um. Não acredita? Sabe lá o que é querer lutar e não poder. Era a única que me fazia chorar. Nunca chorei por mais ninguém. Não me faça falar, companheiro. Tenho muita pena de si e da sua esposa mas os senhores não sabem do que falam. Não souberam tratar do assunto. Essa é que é essa. Havia de ser comigo. Quais drogas. A escrita. A escrita é que é o diabo! E uma pessoa não tem maneira de parar aquilo. Ainda lhe tirei o portátil antes dela fugir porta fora mas hoje em dia em cada esquina há um computador, um cibercafé. Isto está por todo o lado. É uma rede. Um polvo que abarca toda a sociedade. Um sub-mundo rasteiro onde eles comunicam entre si. Alimentando-se uns aos outros. Ideias. Aquilo é só fervilhar, num frenesim constante de frases atrás de frases. Uma loucura absoluta. O amigo não faz ideia do que é aquilo. A bestialidade da coisa atinge proporções inacreditáveis. Para além disso mesmo que eu fosse capaz de levar a cabo um plano para destruir as ligações por cabo, mesmo que fosse possível exterminar do planeta toda a tecnologia de informação, haveria sempre de escapar ao meu controle um pedaço de giz, uma esferográfica, um simples lápis e lá voltávamos ao início. Não. O amigo não está a ver bem as coisas. O seu problema era muito simples de resolver se tivesse tido a coragem de meter as mãos na massa e ir directo ao assunto. Nestas coisas temos de fazer justiça pelos nossos próprios meios. Chamar a nós a responsabilidade de resolver os nossos problemas. Vamos ficar à espera que o inimigo nos derrube? Não! É urgente agir de imediato. Foi o que tentei fazer. Infelizmente não fui a tempo. A sua morreu de over-dose? Sorte a sua e a dela. Continuar a viver para quê? Para fazer sofrer os outros? Só se morre uma vez! É melhor acabar logo com tudo e pronto. Quando não se sabe resolver as coisas é assim, não há volta a dar. Eu não tive essa bênção. Porque venho aqui? Olhe amigo, é simples, venho fazer de conta que ela morreu. Estou aqui um bocado, desabafo com alguém como o senhor que me parece ser um homem de bem. E depois vou para casa. Fico em paz. No fundo estou tão em paz como o senhor. Só que tenho de fazer um pequeno esforço de imaginação extra. Mas como sou forte, consigo.
AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 04/12/2008
Reeditado em 23/02/2009
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