UM CARA PAREDE

"Parede" começou a nos incomodar, mesmo de maneira inconsciente, precisamente sem ter a menor noção de que atrapalhava. Ou sabia e não podia fazer nada ainda que quisesse.
Eu e minha esposa o cognominamos assim por uma razão muito simples, aliás foi dela o apodo: o cara provavelmente tinha uns dois metros de altura e era gordo como um armário sobrecarregado e regurgitante. Quando o vimos adentrando o airbus 300 parecendo um urso prestes a hibernar e furioso porque ainda não havia encontrado a caverna adequada, uma capaz de acomodá-lo confortavelmente, tememos o pior por alguma dessas razões que nem a vã filosofia consegue explicar. E o pior realmente aconteceu. É que estávamos já sentados em nossos lugares enquanto os demais passageiros continuavam entrando e procurando o número de suas poltronas, e a cada leva de pessoas chegando pelo corredor do avião ficávamos a imaginar quem sentaria ao meu lado. Minha esposa ficou no assento da janela, eu no meio, e faltava a(a) passageiro(a) lateral. E para meu desespero era dele, do urso obeso, do tal "parede", a poltrona ao meu lado esquerdo. Seria ele o companheiro indesejado de nossa viagem até São Paulo, onde faríamos conexão para Buenos Aires.
Eu até fiz piadas dizendo "imagine se o cara que vai sentar aqui for esse que vem chegando", gracinha que eu dizia sempre que via alguém desproporcional caminhando pelo corredor na nossa direção. Só que daquela vez era ele realmente, eis que aquele "caminhão carregado" aproximou-se com sua maleta e praticamente tapou minha visão ao chegar. Abriu o compartimento de bagagem, guardou de qualquer jeito em meio aos nossos pertences de mão o bolsão que trazia e, completamente desajeitado, tentou acomodar-se naquela pequena poltrona com o seu corpanzil de mastodonte e já foi logo me empurrando para o lado com o ombro que mais parecia uma pata de elefante. E, esparramado, suspirou longamente, esbaforido, bufando como um urso cansado.

Vocês conseguem imaginar a cena? Um cara do tamanho de um bonde sentado numa cadeira onde só cabe alguém de proporções nada semelhantes. E o pior, bem ao meu lado. Para começar, sua perna direita roubou-me o espaço de minhas duas pernas, e eu tive que quase deitar-me na direção da janela espremendo minha esposa. Justamente para não ser espremido por ele. Foi um sufoco. Ele suava, bufava, arfava e tentava a todo custo respirar. Não sei como o avião conseguiu decolar com aquele peso abundante. Creio até que durante todo o percurso a aeronave voava reclinada para a direita dado o tamanho do sujeito. E eu? Ah, nem queiram desenhar a cena em suas mentes, por mais prolíferas que sejam. Também não vou esmiuçar os detalhes do caos que foi nosso vôo de quase quatro horas naquele verdadeiro sacrifício humano. Minha coluna estava em completo desarranjo e desconjuntada quando, finalmente, pousamos em São Paulo. E fomos os últimos a sair do avião, claro, depois que ele logrou soltar aquele poço de banha da cadeira e sair cambaleando pelo corredor. Podem acreditar, parecia um elefante desfilando embriagado.

E sabem quem ia conosco de São Paulo para Buenos Aires? Sim, Parede. Mas pelo menos não sentou ao meu lado novamente, foi cantar em outra freguesia com seu corpanzil de armário entupido de bugingangas e troços jogados lá dentro de qualquer maneira.
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 03/12/2008
Código do texto: T1316685
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