Noite mal dormida
Noite marrenta, oscilante entre o clima ameno e o calor de rachar. A chuva fina não se sabia garoa ou chuva grossa, definida, decidida a surrar a terra. Atravessava horas na indecisão, murmurando sobre o telhado manhoso. Eu, como que inebriado com o regime de dias e o soro da memória, cochilava ante as travessuras de Flora e os intricados ideais da Proposta Curricular do Estado de São Paulo.
Foi-se a Favorita, veio o sono, o sonho e o sonambulismo.
Latia forte, o Capitão.Furioso, corria de um lado para o outro do quintal imenso. Alguém me batia à porta. Pelo interfone falei que voltasse amanhã. A pessoa insistia, tirei o aparelho do gancho. “Daqui a pouco vai embora”, pensei.
O Capitão continuava metido em seus maus humores. Eu forçava o despertar, mas as sinapses não aconteciam. No mínimo o cérebro estava bêbado com o soro da memória. Alguém continuava batendo no portão, dizia palavras longínquas, desconexas... Incitava cada vez mais o Capitão.
Decidi então enfrentar o sono, expulsar o sujeito da minha porta, senão lhe chamaria à policia! Onde já se viu tamanho abuso? Já não lhe falei que se quisesse algo, que voltasse amanhã?! Gente abusada!
Abri a porta e dei de cara um o sujeito entalado, espetado pelo fundo da calça, nos estrepes do meu portão: “Me ajude a sair daqui”, falou o desgraçado. Implacável e assustadíssimo, disse-lhe que “ajudar uma porra; vou chamar a policia”.
Fechei a boca e do nada surgiram dois policiais. Tiraram o cidadão das lanças do portão, um bom sermão e a sessão plaft na cara. “Quer levá-lo à delegacia”, perguntou um e eu respondi que não. A policia me expulsou o invasor e se dispôs: “Se ele voltar, avise-nos”.
Passado o amargor provocado pelo susto, desatei a casquinar relembrando a marmota, e a pergunta que me não saía da cabeça: que será que o bêbado fuleiro, atrevido, podia querer a tantas da noite? Até imagino, mas isto é outra historia que conto depois.
Não voltou, o desgraçado que apenas presumo quem seja. Mas, me levou o sossego e a noite de sono bom.
E a Policia Militar, que sempre me despertou a simpatia, agora a instituo minha Anja da Guarda.