Qual a graça?

O corpo humano é certamente a mais fantástica de todas as máquinas. Perfeitamente projetada, milimetricamente calculada, peça por peça, para funcionar na mais harmoniosa sintonia e garantir um período vital em que se alcance os mais desejados e almejados objetivos do detentor, e ao mesmo tempo submisso, à tão bela construção.

Esta máquina que vos fala não é perfeita. Nem milimetrica; sim, constituída peça por peça, mas com que folga nas dobradiças!!!

Procurando alcançar os mais altos objetivos, nem tão grandes na opulência, mas gigantescos na abrangência. Como gostaria de abraçar o mundo!

Não dá. É, sei que não é possível. Não me será permitido com minha parca compleição física tanger tão voluptuoso receptáculo de vontades, condições e contrastes. Contento-me com o que tenho então...

Mas, o que tenho então? Não me é conhecido. Sempre achei que nada tinha, mas, ao correr os olhos à realidade que me é vivida, com tanto ódio, inveja e descaso, descobri-me um sultão; herdeiro do Paraíso prometido. Mas por pensar que tudo tinha, fechei-me ao restante, fazendo minha alegria em um metro quadrado de existência.

Mas, um dia, ah que dia! Ampliando meus horizontes, vendo e conhecendo o que de melhor há nesta vida, a amizade, o respeito, a admiração, e, por que não, o amor; percebo-me sem nada nas mãos. Aonde está a sensação de poder, de ter tudo aos pés? Fugaz sensação...Bendita hora em que meus olhos se abriram; e maldita hora em que permiti que se fechasse, encarcerados onde o Sol é fraco, e os dias tristes.

Hoje? Não sei onde estou, quem sou ou o que quero. Luto com armas que me são desconhecidas, contra inimigos imáginários. Sempre correndo, sempre em círculos.

Aonde está a graça nisto tudo? No saber que, no fundo do coração, onde as peças são mais sensíveis, porém mais autoritárias, sempre estão as lembranças daqueles dias de Sol, que me fazem sorrir e perceber que, não, não pode se desconsiderar possuidor de algo aquele que experimentou, ainda que por um relés momento, de tão doce visão do lado cintilante da vida.