O VENDEDOR DE TRECOS
Hoje apareceu um cara na minha repartição vendendo uns trecos. Especificamente, ele vendia um aparelho digital para medir pressão arterial e um massageador em forma de golfinho. Apesar de possuir um design de mau gosto, forma de golfinho, o massageador era muito bom, potente, sua massagem era mesmo relaxante. Mas o preço um tanto alto: 3 vezes de R$ 65,00. Achei caro. E achei mais estranho ainda o negociante me falar o preço já parcelado, por que não falou o valor à vista primeiro?
Gostei do aparelho, mas pensei: será que preciso disso? Desembolsar quase R$ 200,00 numa quinquilharia com formato de golfinho que logo ficaria abandonada em casa? Vivo brigando com minha filha pela sua ânsia por acumular coisas, comprar coisas, a maioria delas, com pouquíssima utilidade, por que eu haveria de comprar o bagulho?
Disse logo que não queria gastar. Talvez de uma maneira um pouco ríspida, mas sincera. Senti-me um tanto arrogante com o cara, um pouco culpado, mas não fiz como os outros que não queriam comprar nada e ficavam inventando subterfúgios para não comprar. De mais a mais é melhor morrer de infarto do miocárdio do que de susto, de bala ou de vício.
(Saravá Caetano)
Talvez a morte por infarto seja a mais tranqüila das mortes, a menos dramática, a menos sofrida, às vezes dorme-se e não se acorda mais. Não é assim que todos gostaríamos de morrer?
A mulherada da repartição logo correu estendendo os braços para o rapaz medir a pressão, fizeram fila. Acho que o cara ficou contente, o pouco tempo em que ficou ali conseguiu vender dois aparelhos de pressão. Fiquei pensando, qual seria a utilidade de ter um aparelho de medir pressão arterial em casa? 14 x 8, 15 x 7, 18 x 9, o que significam tais números? O que posso fazer quando constato que minha pressão está elevada ou baixa? Talvez, para a maioria das pessoas, ver aqueles números na tela de cristal líquido já significa um alívio. Não importa se sabem ou não o que vão fazer a respeito de tais dados.
Ao mesmo tempo em que vi a pouca utilidade dos aparelhos que o homem vendia, senti uma certa culpa (novamente) por estar empregado, no serviço público, com todas as garantias e direitos inerentes ao meu cargo e aquele homem estar levando a vida de modo errante. Não dizia o noticiário a pouco tempo que sobravam empregos no mercado de trabalho? Será que a recessão norte-americana já está refletindo aqui? Não merecia aquele homem, como eu, os direitos e garantias que um emprego formal proporciona?
Que me importa saber o nível de minha pressão arterial? Vou poder fazer alguma coisa, vou poder adiar o dia de minha morte? Tal aparelhinho me livrará dos males da vida?
Certa feita, li num livro do Dr Dráuzio Varela que a missão primeira de um médico não é a de curar, mas de aliviar o sofrimento das pessoas. Será que aquele homem mesmo em sua posição profissional desprovida de privilégios não seria um aliviador do sofrimento alheio, seria ele um médico?
Certamente ele não era um médico. Era apenas mais um brasileiro que inventou uma maneira criativa de ganhar a vida. Embora não vendesse produtos de fato úteis, o vendedor procurava uma forma honesta de trabalho o que de certa forma é louvável.
A passagem do vendedor de trecos, em meia hora, me fez refletir sobre a vida e a morte, a justiça, o mercado de trabalho, a recessão norte- americana, o consumismo e a vida de luta de um trabalhador da economia informal. Minha mania de reflexão ainda me levará aos psicotrópicos!
Apesar da culpa, não comprei o massageador, 200 paus é muita grana, mas fiquei com vontade de comprar.