CENA EM RELEVO, RETRATO EM SÉPIA
SEVERINO ANDAVA TRANQUILO por uma rua qualquer, olhar perdido, cantarolando uma canção qualquer, dessas sem verso nem refrão. Severino padrão, igual a tantos outros que perambulam pelas ruas. De repente impulsionado por nada dobrou uma esquina, oitocentos metros depois outra & três casas depois adentrou sorrateiro por uma porta suspeita, dessas com tinta descascada & faltando número, subiu apressado quatro lances de escada & num corredor com lâmpada queimada entrou num quarto suspeito, abriu uma cachaça barata, dessas com tampinha e nome esquisito, ligou no jornal das oito & enquanto cid moreira centenário & absoluto discorria sobre os males do homem, Severino enforcou-se com a gravata nova no encanamento do banheiro malcheiroso e num canto da boca um sorriso: teria enfim a paz, seria enfim feliz, ele que quase conseguiu, quase se formou, quase se casou, quase venceu, quase subiu na vida, quase conseguiu ser ele mesmo, Severino com um quase sobrenome como tantos outros severinos quase gente em meio ao buraco negro da cidade grande, ele um quase severino.
[WALLACE PUOSSO, do livro “Estrangeiro”]
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