Amigo Motorizado...

O aperfeiçoamento espiritual passa pelo desapego das coisas materiais. Devemos sempre nos apaixonar por pessoas, nunca por máquinas. Entretanto, o que sentir por um companheiro com rodas que te levou para tantos lugares, aventuras e compromissos durante oito longos anos. Testemunhou alegrias, dores e amores ao longo da convivência. Quantos momentos te levou para casa, te acolheu da chuva, em noite onde sua alma estava em frangalhos por um rompimento amoroso ou morte na família. Ocasiões onde todas as pontes humanas de afeto e apoio falharam e o câmbio macio na passagem das marchas, silencioso, te protegeu de alguma loucura. Como tudo na vida, encerrou-se um ciclo. Chegada hora da despedida. Vendido, como nos grandes romances, olhei para o horizonte e não mais voltei o olhar. Sensação estranha de estar deixando um amigo em mãos profissionais que logo o tratará como mais uma mercadoria, objeto de lucro com uma plaquinha de vende-se ao relento na rua. Como na vida, nada como um novo amor. Já está na garagem, mas ainda nos olhamos com uma certa cerimônia, próprio dos inícios de relacionamentos. Confesso que estou feliz com o novo, mas um certo olhar na rua de irmãos mais velhos do meu antigo companheiro, ainda faz vibrar as fibras da saudade. Como a visão do antigo amor humano em nossas relações pessoais. Aí você jura que no futuro tratará uma máquina como deve ser, como máquina. Afinal é, apenas, um conjunto mecânico e inanimado. Claro, até a convivência moldar novamente seu coração e como muitos motoristas fanáticos por seus veículos, batizarem com nomes mimosos seus autos. Automóveis, por vezes, são mais confiáveis que os humanos, mas o calor que emitem são de explosão controlada e nunca de sangue correndo nas veias...