Amor ao pé da letra

Estranho é o mundo das letras virtuais: por vezes basta uma frase solta no ar, uma idéia, um jeito de expressar... Pronto, encantamo-nos. É que as letras combinam-se em textos. E textos convidam a buscar imagens que completam as letras. E vai crescendo uma coisa dentro da gente, além da simpatia. Algo parecidíssimo com amor. Amor pelas letras.

Ao pé das letras a gente vai conhecendo diferentes alfabetos e se deixando conhecer. Há textos pessoais como letras cursivas; padronizados como letras de forma; claros como letras redondas; guturais como letra de médico. Uns são tristes e melancólicos como letras góticas, outros esvoaçam como as borboletras pernambucanas. Alguns estão prontos para cair na boca do mundo, como letras de imprensa, dignas de um belo letreiro. Letras de câmbio estimulam trocas; outras se aquietam, imobiliárias. Raramente aparecem letras anônimas, literadiças e minúsculas, destiladas em comentários maldosos. Importa as maiúsculas - aquelas que te fazem rir, sonhar, pensar, sentir. Letras que se combinam, vogais e consoantes, em textos líricos, filosóficos, informativos, divertidos...

Para bom leitor, pingo no i é letra. Algumas a gente lê com olho de exclamação, outras dão vontade de abrir parênteses e gritar: gol de letra! Umas são cheias de aspas e outras, convite para o diálogo, puro travessão. Letras reticentes e letras com vírgulas de se tirar o fôlego. Letras que deixam interrogação e outras definitivas como ponto final.

Umas te encaram, ousadas e francas. Outras te olham de soslaio, entre tímidas e apreensivas. Letras te fazem viajar e há as que te prendem no chão. Textos que você gostaria de ter escrito e palavras que você sabe que nunca escreveria. E a gente de repente se pega sorrindo para a tela do computador, admirando a inteligência e perspicácia de um, a delicadeza e sensibilidade de outro, a transcendência, a sensatez, a doçura, a firmeza, a intensidade emocional... E de repente se dá conta que por trás da sopa de letras há seres humanos consistentes e nutritivos.

Talvez pela primeira vez na história da humanidade, as pessoas se conhecem em sentido literal não bíblico. Não falo só dos que optam pelas relações virtuais em detrimento do mundo real. Falo também de gente com razoável trânsito social que de repente descobre as delícias do contato pelas vagas nuvens de elétrons que trafegam em alta velocidade pelos cabos internautas. E descobre afinidades que muitas vezes se transformam em admiração e respeito. Ora vai-se curtindo a relação devagar, conhecendo, pouco a pouco, os detalhes do autor das letras; ora dá vontade de pular preliminares e chegar logo nos finalmentes, na relação cara-a-cara.

Letras não só têm pé, mas também cabeça e coração. Por isso se atraem ou se repelem; se respeitam ou se amam. E sofrem. Há coisas que nem um coração letrado consegue tirar de letra.

Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 28/11/2008
Reeditado em 29/11/2008
Código do texto: T1308662
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