O PÉ DE TAMARINDO

Nas claras manhãs, mal o dia começa as almas saem a passear no sossego das ruas onde moro. As casas fechadas, os quintais desertos. Os edifícios emitem choro de criança pequena. Latem cachorros de apartamento.

Tudo está mudado.

Ando sozinha e devagar, na primeira esquina as lembranças afloram com mais força.

Do princípio da Rua João Ribeiro sumiu o lindo pé de tamarindo ou tamarineiro, cujo tronco potente se alimentava da seiva colhida por grandes raízes que afloravam em côncavos convidativos ao descanso, nas tardes quentes de verão.

Qualquer um podia sentar um pouco, usufruir da sombra enquanto os frutos debruçados como flores exalavam o seu perfume, pediam para ser colhidos.

Atrás do pé de tamarindo de quase três metros de altura escondia-se um casebre caindo aos pedaços, humilhado perante as moradias ajardinadas, cercadas por grades de ferro do restante da rua.

Parda é a vida quando se perde a esperança. Pardo e pobre ele poderia ser João, José, Benedito. O que importava senão sentar debaixo do pé de tamarindo a qualquer hora, dia ou noite com a sua garrafa, a vida transbordava em toda parte à sua revelia. Bastava-lhe o casebre carregado de silêncio e a árvore por companhia.

Mudava o cenário apenas quando a mulher encurvada, armada de uma vassoura velha, saía do interior do casebre para varrer o terreiro. Trabalhava às pressas enquanto despejava algaravias em direção ao homem abraçado à garrafa.

Se filhos tinham, pra que, senão para enxergar a desesperança do homem que passava os dias sentado ao pé de tamarindo, indiferente à mulher encurvada?

Aos primeiros raios de sol, religiosamente a mocinha regressava para recompor energias. A noite fora trabalhosa. Possuída pelo desânimo e nenhuma fé, sequer um olhar ao imutável cenário.

Numa clara tarde domingueira o homem encharcou os trapos, os cabelos e riscou o fósforo. Encharcado por dentro e por fora, dele sobrou o montinho de cinzas e nada mais a fazer.

Cortaram o lindo pé de tamarindo.

MCC Pazzola