OUVI NO RÁDIO...

A leitura de um texto de opinião sobre as cotas para afrodescendentes nas universidades brasileiras. O leitor da página entremeava ao texto comentários indignados e se fazia de santinho de pau oco. Falava a respeito da qualidade da educação brasileira e dos destinos tristes das escolas públicas. Havia um tom indignado na voz do locutor. Referia-se aos alunos das escolas públicas que, segundo ele, só vão para a escola comer, que não sabem ler e nem escrever. Dava para notar, no correr de suas considerações em torno do texto lido, que fazia o velho discurso da burguesia, a mesma charmosa que deu um jeito bem engendrado de demolir a escola pública para construir o mito da escola privada, onde nem o céu é o limite.

Outro ponto tocado no tratamento da questão foi a qualidade do professor, como se houvesse uma fábrica de professores especiais para a escola privada e outra onde são fabricados professores genéricos para as escolas públicas. Professores e outros profissionais se comportam de forma ética e moral a depender de sua formação. Indivíduos que trabalham para a educação, a saúde ou outro setor qualquer e modificam suas atitudes de acordo com a administração de seus empregos, são apenas esquizofrênicos.

É uma lástima que tantos incompetentes se metam a dar palpites e fazer cabeças em torno da educação. É incrível como na propaganda do horário político aparecem candidatos que nada entendem do processo educativo e se arvoram a resolver todos os problemas aí existentes. O mesmo não ocorre com a medicina, com o direito. Médico é médico, advogado é advogado e professor é apenas uma palavra. Culpa nossa que permitimos esses forasteiros desocupados visitarem e tomarem conta de nosso setor.

Nós somos os padres e nós deveríamos celebrar a missa.

Radicalizar é construir um caminho para o precipício. Há coisas boas e coisas ruins por toda parte. Há jovens problemáticos e jovens exemplares em qualquer rede de ensino. Não é preciso inteligência para saber disto.

Mas, seriam, por exemplo, alunos do Ensino Médio público os play boys dos postos de gasolina / selects? Seriam alunos pobres da periferia os freqüentadores de badaladas boates regadas a bebidas alcoólicas e mais outros aditivos? Seriam também os que correm em possantes carros nas avenidas durante as madrugadas de embalo sob as grossas vistas dos fingidos guardiões da “lei seca”? Foram alunos de escolas públicas os matadores das inúmeras Aídas Cury? E os alunos que passam noitadas em bares ao redor de faculdades ouvindo som pesado em malas ridículas de carros caríssimos, quem são?

Em meu exercício de magistério durante mais de trinta anos jamais fui desrespeitada ou humilhada por alunos, jamais um daqueles humildes e constantemente constrangidos alunos de escolas públicas trouxe o pai para a escola para recomendar a metodologia a ser utilizada durante as minhas aulas _ de tal forma que seu filho gostasse. Isto é, não se tentou ensinar o Pai-Nosso ao vigário.

Ainda dói em meu ouvido o enlouquecido argumento daquele profissional da comunicação alertando a sociedade quanto ao perigo das cotas e ao risco de se abrir as portas das universidades de tal forma a que possam invadi-las os brasileiros descendentes dos africanos e os pobres (neste caso não importa a cor) descendentes de qualquer povo. Isto o moço disse veladamente, mas entendi claramente.

Pois fique sabendo, seu defensor dos ricos e bem uniformizados, somos os primeiros donos de tudo que você consegue ver e tocar, inclusive esta emissora pública de radiodifusão que você usa para falar mal do seu patrão: o Povo.