O PRATO DO DIA

Cometi o pecado de conversar com meu prato. Tinha barbatanas e olhos azuis, escamas cromadas e uma calda lânguida e real. Ninguém podia acreditar que o fiz, sem piedade, parecido com os homens do norte, sul, leste e oeste da terra. Perguntei-lhe o nome, ele não respondeu. Depois desabafei quanto as minhas dores e insucessos – acho que ele riu de mim, e eu, nem percebi – ele riu: como pôde?

Antes de comê-lo pensei em não comê-lo e torná-lo meu amigo, porém, ele era meu prato e só me via como seu predador. Não podia me amar como se ama aos amigos, embora fosse ele a única presença viva em meu espaço.

Ele sabia muito sobre a física quântica e as disparidades da política social. Questionou-me a relevância da perda e dos sentidos invólucros de materialidade e estima demasiada. Não havia terras que ele não conhecesse, sejam essas nacionais ou estrangeiras, orientais ou aqui mesmo no ocidente. De tudo ele sabia, e não sabia pouco de tudo, sabia tudo de tudo como a certeza da morte. Eu pedi para que ele falasse comigo, mas sua sabedoria transcendia apenas os olhos – espelhos que refletem o Danúbio e a sobriedade desnuda -, tão azuis quanto os céus a espreita do crepúsculo.

Convalescente ele não chorou, mas secou minhas lágrimas e amenizou meu sofrimento. Poderia ter escrito um poema, ou copiado alguma de suas reflexões em um artigo. Mas não se tratava mais de mostrar o que os outros não viam, tratava-se de ser, tão simples quanto um rego ao encontro de um rio. Ou ainda mais simples, tal como o vazio da noite ao findar de um dia agitado.

Eu o comi, depois de cometer o pecado do diálogo o comi vorazmente, impiedosamente enquadrado às etiquetas.