Crõnica para Dudu, meu colega de magistério

Edson Gonçalves Ferreira

Você me disse, hoje, que aprecia a minha prosa. Fiquei feliz em ouvi-lo e, depois, de dar aulas, ao chegar em casa, fiquei pensando em como o nosso país é hipócrita. Sim, hipocrisia pura, fala em democracia, mas, na verdade, estamos mais numa ditadura terrível, porque somos obrigados a trabalhar como escravos, ganhando um salário de fome.

Para começar, temos uma escola de ensino fundamental que, antigamente, era chamada de escola primária que, na realidade, ensinava a ler e a escrever e, hoje, ela foi passada para as mãos dos prefeitos e, cada vez mais, os adolescentes chegam quase analfabetos em nossos bancos da faculdade!

Podemos ver que os vereadores, os prefeitos, os deputados estaduais e federais, muitos que foram nossos alunos, ganham muito mais que nós, professores. Afinal, um professor, com mestrado que, trabalhando no Estado, ganha 800 reais, na verdade, ele não ganha, ele esmola. Um professor de faculdade que ganha 380 reais também, não ganha, pede esmola. Não paga nem a elaboração de provas, nem a gasolina...

Depois, existem as propagandas caríssimas na televisão com atores falando bem da Educação no Brasil e em Minas Gerais. Tudo propaganda enganosa. Você sabia, Dudu, que uma certa secretaria conseguiu 100/% de aumento!... Nós, da Educação, recebemos um salário a mais, dado como gorjeta como – que audácia!... - isso, Dudu, depois de 08 anos no Ensino Fundamental, 03 anos no Ensino Médio, 04 anos no Ensino Superior, 04 anos de Pós-graduação, 03 anos de Mestrado, ou seja, 22 anos de estudo, Dudu!

E, ainda, Dudu, existem alunos que jogam na cara do professor que nós, na verdade, somos otários, porque, no crime, eles ganham cinco mil reais por mês. Escutei isso de uma professora que dá aula numa escola especial. Não só eles só não, Dudu, você já parou para pensar quanto ganha um vereador, um deputado estadual e federal, um senador e, principalmente, um presidente da República sem diploma algum?

Às vezes, quando entro numa sala-de-aula, se não fosse eu saber que Deus é o grande Mestre, teria vontade de confessar para a moçada diante de mim que existe uma fala e uma prática no mercado de trabalho. Infelizmente, acredito que, às vezes, ladrão que rouba ladrão tem mesmo cem anos de perdão. Esse sentimento não condiz com minha formação... Lembro-me, porém, de Gregório de Matos Guerra e dos seus poemas satíricos. O Brasil ainda não criou vergonha na cara. Não é um país sério como De Gaule o chamou.

Sou professor por vocação, mas ainda espero viver para ver a nossa profissão valorizada, porque nós formamos a consciência desse país. Sei que existem muitos professores omissos e muitos professores excelentes que honram a carreira escolhida como os que, ao longo da minha vida, estiveram e estão ao meu lado.

Uma coisa, contudo, é certa, Dudu, ainda viverei para ver a Educação como prioridade neste país onde, infelizmente, tudo virou banalidade. Algumas escolas fingem que ensinam e alguns alunos fingem que aprendem e, nos vestibulares e nos concursos, podemos ver a mediocridade reinando neste país tupiniquim, mas se houver mais alguns dudus, um dia, tudo isso ainda vai mudar.

Divinópolis, 27.11.08

edson gonçalves ferreira
Enviado por edson gonçalves ferreira em 27/11/2008
Reeditado em 28/11/2008
Código do texto: T1305484
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