12 CONTABILIDADE DO DRAMA

Mulher jovem, ainda, aparentemente saudável, apenas meio desdentada. Vinte e sete anos, cinco filhos no mundo e, por cima, ainda grávida, com dois na barriga, de uma gestação de seis meses.

Sem marido, crianças de pais diferentes, ela não sabe sequer o nome do pai da atual barrigada dupla.

O menino maior, doze anos. E a última petiz da safra, desses que estão do lado de fora, a assistir à tragédia social da mãe, apenas três anos de vida.

Com exceção desta, a guria que ainda não esmola, o restante da família sobrevive da profissão de esmoleres, num cruzamento de ruas movimentadas, em bairro periférico de Fortaleza.

A mãe, que não é boba, também constitui exceção hierárquica: esta fica mesmo é sob a sombra, na barraca improvisada, à distância, “pastorando” a récua de filhos, já previamente adestrados na arte da mendicância. Até porque, segundo a sapiência popular, “quem tem égua não compra cavalo”.

Com prole numericamente avantajada, daqui a três meses, em cifras redondas, os rebentos da mulher jovem, que agencia os pequenos pedintes, serão sete. Sete cidadãos, provavelmente sem números no registro civil, somente a somarem outros números imprevisíveis.

Sete bocas e mais uma, oito bocas, portanto, na contabilidade do drama. Oito boquinhas para comer do favor público, num País cujos governantes se vangloriam de se terem libertado da praga do FMI e, com maior bravata, anunciam que já temos superávit nas burras do Tesouro Nacional.

De escovões e flanelas à mão, dia após dia, um pequeno exército de menores para limpar carros e mendigar ajuda à caridade do trânsito.

Crianças seminuas, desnudas da cintura para cima, corpos rajados, sem creche onde possam ter ao menos uma refeição por dia, sem escola, sem livros nem pasta dental, futuro nenhum pela frente, a não ser que Deus os ilumine, porém a marginalidade quase certa como destino.

Ficção nenhuma, crônica da miséria, extraída, ao vivo, da desmantela realidade brasileira.

Os números em questão são reais, contabilidade exata e meticulosa. Fatos e fotos alencarinos, que o repórter mostrou-os, hoje, na tevê. Mas a tragédia poderá ser vista e registrada em qualquer cidadezinha ou metrópole, vindo um com uma câmera, lá do Oiapoque até as raias do Chuí.

Fort., 26/11/2008.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 26/11/2008
Reeditado em 02/03/2010
Código do texto: T1304580
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