FASTIO DE UMA MULHER

Há muito este ritual enche sua alma de tédio. Às sete horas acorda, procura as roupas no escuro porque o parceiro dorme profundamente e seu sono é sagrado não pode ser interrompido. Come uma banana, caminha ao redor da quadra durante vinte minutos, faz cinco minutos de alongamentos, retorna a casa. Toma o café na mesa pequena da cozinha apertada. Acorda as crianças, que choramingam por ter de levantar-se tão cedo e às oito horas deixa-os na escola.

Depois vem aquela fastidiosa arrumação da casa. Limpa o banheiro, ajeita as camas, tira o pó. Tenta quebrar a mesmice das suas manhãs ouvindo CDs diferentes: Tim Maia, Rita Lee, Zezé Di Camargo, Benito Di Paula. Pelo menos o gosto musical é variado na sua vida de dona-de-casa. Às onze horas e trinta minutos vai para a cozinha preparar o almoço. Já não tem mais idéias para o cardápio. O chimarrão a acompanha. Procura variar os chás; num dia coloca o jamaiquinha, noutro, camomila ou guaco. O gosto diverso das ervas do chimarrão faz com que ela vislumbre o sabor da variação. Meio-dia e trinta o marido chega com as crianças, é uma barulheira, uma gritaria só: “Lavem as mãos, o almoço está servido, sentem à mesa”.

Todos os dias espera que o parceiro lhe traga novidades, não pequenas, grandes novidades, mas nada acontece. Os mesmos clientes, o mesmo trabalho, a permanente crise financeira. Ela lava a louça, limpa a cozinha e mal espera pelo momento de escurecer o quarto e deitar-se. Mas não consegue dormir, porque as crianças a chamam, exigem a presença da mãe nas brincadeiras, nos jogos, para descer ao pátio. E até o descanso é cansativo! Levanta-se e na sala olha longamente os livros da época da universidade, empoeirados, esquecidos nas prateleiras sobre o computador que está com a placa de vídeo queimada. O que aconteceu com sua vida, com seus sonhos, objetivos e fantasias? Virou pó? Sente saudades do que não teve coragem de fazer e desprezo por tudo o que a fez desencorajar-se.

A noite é um alívio. A escuridão, definitivamente, é gratificante. O sono livra sua mente do cansaço, da mesmice e o corpo, da lassidão dos mesmos movimentos. As crianças dormem e ela tenta ler, então o parceiro lhe agrada porque quer satisfação.

E a protagonista da cena goza só de raiva.