Amélia
Não era a mulher ideal. Queria ser freira. Mas logo percebeu que seus desejos não eram passageiros. E mudou a direção da carreira.
Queria ser médica, mas sentia-se fraca e precisava de uma cadeira, quando o irmão levava uma pedrada na cabeça, nas brigas de rua, ou quando a mãe se cortava com a faca no preparo dos legumes.
Queria ser secretária, mas achava o chefe tão antipático que se recusava a servir o café para o executivo dos estados unidos. Queria ser bailarina, mas ao rodopiar, sentia uma vertigem, algo como a morte. Atleta, tinha mimos com suas unhas que estragavam com o arremesso no vôlei. Nadadora, sentia-se sufocar na água e subia rápido para buscar o ar.
Foi professora, dessa profissão ela gostava. Seus alunos a queriam bem, gostavam da matéria. Entre Clarices e Guimarães, Marios e Anjos, as manhãs passavam com interesse e aprendizado. Um pássaro até ia pousar no vidro da janela grande da sala 8, onde trabalhava, ouvindo o ritmo das análises e interpretações.
Um dia virou Dona. Coisas da idade que sem que ela percebesse, vinha chegando. A responsabilidade ficou muito maior. Ela queria então, ser poeta, para deitar suas emoções no papel. Papel não existe mais, nem sua letra é mais legível. Pôs-se, então, toda fagueira, a dedilhar nas teclas, como se tirasse música de um piano.
E toda tarde, depois da secura dos dias difíceis e sozinhos, em que, no meio de tanta gente encontra-se única em seu sentimento, ela corre para o seu piano imaginário e compõe tolices que, para si, soam como uma suave música. E quando chove, a inspiração é maior.