Rua molhada

Sentado junto ao poste, um homem parecia meditar durante bastante tempo. Chovia fraco; as pequenas gotas não eram capazes de colocá-lo em fuga, e a escuridão da noite escondia-o de muitos olhares. Estava sozinho.

Já passara dos sessenta, era visível isto. Mas sua aparência estava machucada demais. Embora a Vida não tivesse sido pesada, enfrentava agora a face que ninguém gosta, a face da decrepitude, a face das perdas. Sempre é a mais difícil. Muitos constroem uma história pessoal e quando menos esperam com as realidades duras da existência, elas se fazem presentes.

Era o caso. Durante longo tempo julgou-se afastado da dura realidade da vida, como se fosse senhor de tudo e de todos. Quem viveu sem prestar atenção de que o tempo passa, o mando é quase nada e a perda de gente próxima, leva o golpe com mais intensidade, como ocorrera com a figura sentada, vendo um pequeno filete d’água escorrendo junto ao meio fio e sendo tragado pelo bueiro próximo, exatamente igual à vida que estava levando. Um filete d’água caminhando para o bueiro.

Pensou nos seus dias melhores, no que podia comprar e gastar, pensou na família, na sua inutilidade para o mundo atual. Era nada; o pouco que possuía tinha acabado. Não soube se preparar para um futuro que poderia trazer contragostos. Até que este futuro chegou. De nada adianta o estudo, a religião serve para amparar um pouco, mas a alma sofre por não conhecer a si mesma.

A chuva fina continuava, ele não se dava conta disso, embora estivesse com o guarda-chuva aberto e com a haste apoiada no seu ombro. É uma regra do mar a sábia precaução de quem vai a ele, “avia-se em terra.” Ele não seguiu este mandamento, talvez fosse comum demais para sua compreensão, se é que ele tinha esta faculdade desenvolvida.

Um jovem casal – como é bonito um jovem casal – abordou o homem perdido nos seus pensamentos. Perguntou se ele precisava de algo. A resposta foi um não taxativo. Um não se fez ouvir, um não sonoro.

A Vida é assim. Quem pensa que é somente prazer, trabalho e distração, paga muito caro por isto.

O filete d’água continuava correndo para o bueiro, na rua molhada...

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 25/11/2008
Código do texto: T1301899
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