Dos muitos matutos que ainda restam

Isaias, um perfeito representante dos matutos do interior deste Estado do Rio, homem franzino, casado, pai de 5 filhos, um lavrador entendido em todos os tipos de assunto, dos que lá na roça tanto precisam do seu entendimento. Comerciante nas horas vagas de uma “venda” – para explicar melhor aos que não conhecerem, refiro-me aos comércios das zonas rurais, onde de como item principal, a boa e velha cachaça, as garrafas de cerveja, mortadela para tira-gosto, não podendo deixar de frizar a especiaria “sardinha em lata”, a salsicha em conserva, e outros mais do gênero - saudosa aqui faço verter, a “venda” do vovô, onde nos áureos anos 70, era talvez mais completa que qualquer rede de supermercado da modernidade de hoje, mas, ai chegou o tal progresso, e junto: o asfalto, a televisão com antena parabólica, o ônibus na porta de casa, e o povo foi todo parar no centro da cidade, e o vovô com a sua venda, ficou mesmo é parado no tempo, e o destino dele foi ir atrás do povo lá na rua Principal do centro da metrópole da serra. Interessante que meu saudoso pai dizia, que o povo deste interior, derramado pelos ônibus que os conduziam até lá, só andavam naquela rua, tinham medo de dobrar a esquina, e com isso, eram clientes assíduos da determinada sapataria, farmácia, lanchonete, mercado e do que mais necessitavam adquirir com o dinheiro da lida, pois quando este acabava, o que se via acontecer, era a venda do Isaias aumentar a conta do caderninho, eita sô!

Mas, a história é do típico matuto que sempre observei naquele pacato homem do campo, sempre pronto a ajudar e se preciso nas noites de cachaça, sopapear quem lhe incomodasse, vixe! Mas, do que mais me emocionou naquele desbravador de sua consciência, foi o dia que lhe apresentei o mar, coisa como criança que entra numa destas lojas de doce moderna, onde tem até a tal televisão de cachorro, com aquelas tortas enfeitadas e bonitas rodando e mostrando-se para todos, e olha que até eu já me peguei fitado em tal situação, mas pulamos esta parte, rs. As ondas, quase banharam o matuto, quando este, num descuido de sua hipnose com a imensidão do mar, o lambeu, risos, alegria, e da boca do homem da pedra, apenas uma frase, que nunca mais esqueci, “parece que ele tem vida”. Bom, daí, mais um susto por parte dele, e como era só passagem pelo litoral, pois a labuta só nos permitia gingar uns metros ali, logo tratei de recolher aquela criança de momento, e fomos no rumo de casa. Ao meu lado no carro, um ser mudo percebia pelo retrovisor central do carro, os olhos estrelados, um sorriso de primeira vez nos seus lábios, e após uns bons minutos, ele apenas disse, foi a coisa mais bonita que conheci na vida. Para quebrar o gelo, ainda brinquei, olha que a Jurema, se te ouvir falar nisso, te senta algo na cabeça, gargalhadas, seguidas de um silêncio de muito obrigado. Queria mesmo, era contar muito mais daquele singelo homem, dos dias de chuva meio a plantações que lhe castigam os poucos anos vividos. Só pra vocês terem uma noção enquanto eu acumulo mais contos na minha lembrança, deixo aqui poucas palavras ouvidas da boca do tal, e que não ri por deboche, mas por entender, que ele não tinha medo de mostrar o seu entendimento, pois, aquele é um matuto com muita história pra contar, e quem quiser, que ache um parecido, pois igual ao Isaias, só reflexo dele no espelho.

Junior – Um sonhador

Onofre Junior
Enviado por Onofre Junior em 24/11/2008
Código do texto: T1301531
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