O Velório

O Velório

suzabarbi@hotmail.com

Já aos 15 anos, Jocrésia, muito mais Jô do que Crésia, pilotava moto.

E bem.

Aos 17, fazia trail.

Sem cair.

Conheceu as trilhas de Minas.

Muitas.

Já aos 18, era responsável por uma equipe numa empresa de telefonia.

Tímida, temperamento reservado, senso de responsabilidade incomum para a pouca idade, Jocrésia, muito mais Jô do que Crésia, sabia mostrar como ninguém seu grande talento profissional.

Talento inversamente proporcional quando o assunto era lidar com situações sociais.

Um dia, a mãe de uma colega da sua equipe faleceu.

Devido à timidez, fez de tudo para se esquivar do velório, mas o senso de coordenadora falou mais alto.

E lá foi ela representar a sua equipe.

Não sem antes passar horas trancada dentro do banheiro ensaiando o quê iria dizer para a colega e familiares:

- Fulana, sou eu, (que bobagem, claro que sou eu).

- Fulana, estou aqui representando toda a empresa, (tenho que tirar o “toda”. Vai pegar mal o “toda”. Ela sabe que não represento toda a empresa).

- Estou aqui como chefe da seção para..., (Meu Deus! Isso lá é hora de lembrar que sou a chefe dela!).

- Sua mãe era muito querida por todos, (eu nem a conhecia!).

Nada estava bom e as horas iam se passando.

Sem saber o quê falar, uma Jô quase histérica foi para o velório rezando para que, num passe de mágica, sua timidez tirasse férias e ela, naturalmente, pudesse cumprimentar a colega e sua família.

Velório lotado.

A colega era filha de família tradicional.

Políticos, escritores, jornalistas, colunáveis, artistas se espalhavam por todo canto.

Entrou em choque quando percebeu que a própria televisão estava gravando o velório!

Suando frio, Jocrésia, nem mais Jô, nem mais Crésia, começou a torcer para que sua colega estivesse num lugar bem distante de toda aquela gente, de preferência no banheiro e sozinha.

Impossível.

Até o banheiro estava lotado.

Saiu a procura da amiga contorcendo-se para forçar passagem entre tanta gente.

E lá estava ela!

Bem no meio de quatro jornalistas, dois políticos e três senhoras conhecidas de seu chefe.

Para sua timidez, melhor impossível!

Chegou já querendo dar meia volta, quando foi imediatamente reconhecida por uma das senhoras amiga do chefe.

Num abraço estrondoso, pouco próprio para o lugar, foi alvo de um disparo de perguntas: “você trabalha di-re-to com ele???” “continua muito charmoso?”, “joga basquete até hoje?”.

Uma falta de respeito com o lugar, pensou Jocrésia.

A cada pergunta, um rosto desconhecido se virava para o dela.

Podia ser pior?

Podia!

Os que ainda não conheciam o famoso empresário, ao ouvir seu nome, quiseram conhecer uma Jocrésia a-pa-vo-ra-da, que trabalhava di-re-ta-men-te com ele!

Ela tinha virado o alvo de todos os olhares.

O centro das atenções do velório!

Com as bochechas em chamas, uma Jô desorientada resolveu terminar sua missão.

Dirigiu-se à colega e falou:

- Estou aqui representando nossa seção.

Quase engasgando, completou:

- Todos mandam um abraço de pêsames para você e sua família.

Falou de uma vez só, quase sem respirar.

Viva! Tinha conseguido! Tinha conseguido!

Mas não estava nos seus planos que sua frase pudesse ter resposta.

Teve.

Sua colega agradeceu, deu-lhe um abraço e começou a chorar.

No seu ombro!!!

Isto estava totalmente fora dos seus planos.

Sem ter o quê dizer e achando que a situação tivesse saído totalmente dos trilhos, uma Jô aturdida fez a única coisa que não devia fazer: perguntar.

- Do quê sua mãe morreu?

Aos prantos a colega respondeu:

- Ela pegou uma gripe mas já estava muito fraquinha e não resistiu.

Ao que Jocrésia, nada Jô, nada Crésia, bateu no ombro da amiga e soltou um:

- Ah! Com a graça de Deus, não foi nada sério!

Velório? Nunca mais!