OS DIABOS E OS DEUSES DA ARTE

[AO MEU CARO CONTERRÂNEO JOÃO EUDES]

Assim que cismei de ouvir uma boa música e me preparei para colocar o vinil na radiola – ainda conservo o que é bom -, escuto solos de violão e uma voz começa a cantar Belchior, justamente o vinil de quem me preparara para pôr à rodar. E assim cantava:

Estava mais angustiado / que um goleiro na hora do gol / quando você entrou em mim / como um sol no quintal / aí um analista amigo meu / disse que desse jeito não vou ser feliz direito / porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual [...]

O dia da música, eu não sabia! Como moro numa cidade de interior, a pracinha é o point! Toda pracinha de interior é o local da movimentação urbana da noite. O grande João Eudes, que não é político, não é diplomado mas atua na minha cidade muito mais que certos engravatados, irmão de Gilson oliveira, talvez vocês não o conheçam, mas o Gilson é o autor daquela composição que assim ressoa:

[...] ter uma casinha branca de varanda / um quintal e uma janela / para ver o sol nascer [...]

Meu caro João Eudes, sempre promove projetos culturais e interativos na bela e rica cidade praieira e minha, Macau. E hoje não sei se é bem ele que está envolvido nesse projeto que me arrepia e me faz chorar quando num sábado à noite, geralmente de baladas pesadas e muito CRÉU, convida-se artistas locais à tocar “brasilidades” para homenagear a boa música no dia da música.

Eu na varanda de minha casa, que por sorte, a praça escolhida foi a que moro em frente, me esbaldo e derramo em baldes, lágrimas, me curvo e me contorço de euforia, com bons artistas cantando Belchior, Caetano, Zé Ramalho... Coisa boa! Coisa longe de caldeirão do huck, Raul Gil que por inércia de minh’alma me fiz assisti-los e ver que a música sofreu o menosprezo indevido.

Estamos carentes das artes... Os museus demoliram-se, os teatros viraram ruínas, as bibliotecas perdem para “lan houses”. E nisso o homem fica mais podre, cai do pé e perece o solo que permanece mal pisado. Ainda resta o cinema que tem até um publico alvo bom. Mas os sucessos de bilheterias sempre são uma merda.

A literatura está morrendo e nem velório se preocupam em fazer. Falo da boa literatura! Porque estantes estão cheias de Paulo Coelho, livros de auto-ajuda e poeira, poeira!

Sem falar no Best Seeler mais besta que já vi: “o código da Vinci”. Vamos Dan Brow, cadê você?!

Como dizia o grande Sartre: “o mundo poderia passar muito bem sem literatura, mas poderia passar ainda melhor sem o homem”.

Eu tenho medo do que pode se tornar o mundo daqui pra frente com o desprezo cada vez maior que dão as artes. Por isso nem filho pretendo Ter. Vão treiná-lo para ser um executivo maquiavélico, mas vão esquecer de mostrar a ele que Maquiavel foi um literato, e que não é o dono da verdade.

... É fácil ser maquiavélico. Também com o instinto humano dos humanos, tudo é pretexto para os fins justificarem os meios!

Gente, a arte é a melhor forma de se mostrar o lado humano dos homens. Cultura e formação humanística são do que os seres carecem. Nada há de mais genial e maravilhoso para explicar a essência humana, que não a arte.

Por isso condecoro meu caro João Eudes e tantos outros políticos não engravatados que fazem-se por rogados e mostram que a cultura e arte é coisa importante. Tão importante quanto comer e dormir!

Quanto aos políticos – “artistas” de gravatas e sapatos brilhosos -, como mostrar a arte se na arte o homem pode conhecer o lado humano dos humanos e saber quem se deve empossar? Então pra que o ministério, a secretaria estadual e municipal da educação e cultura? Pra comprar ignorância e vender a alma ao diabo? Talvez eu acho!

A culpa dos deuses das artes não reinarem, é dos diabos humanos que adoram a ignorância!

Manel Clélio (Kekel)
Enviado por Manel Clélio (Kekel) em 23/11/2008
Reeditado em 23/11/2008
Código do texto: T1298387
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