A FEIRA 

        

         Acordei onze horas de bom sono.

         Lembrei dia de feira. O frio e chuva de ontem virou dia limpo, lavado, luminoso, cheio de sol. Vou à feira.

         Logo, o Pimenteiro pegando punhadinho de cada coisa, esfregando e me fazendo cheirar e dizendo os nomes e pra quê servem. Sabe comunicar o velho. Nada mais expressivo que a cor, o cheiro, o nome de cada essência ou tempero e pra quê serve. Levei um pacotinho de todas as algumas e falei, bota o nome. E contei que o que quero mesmo é pintar com pincel na tela aquelas cores, a alma carioca, aquele Brasil.

         Bom astral meu e dele. Segui. Uma alface linda que comprei na volta. Depois fui vendo preços, cores, flores, temperamentos e comportamentos diversos, mas todos com uma alegria de causar inveja a qualquer ricaço navegando em “seu iate volta ao mundo”, ou um empresário produzindo dinheiro no alto duma cobertura. É uma paz de alegrias. Um vendedor que não me lembro de quê me impressionou pelo cabelo todo enroladinho de preto e cãns, mil cachinhos, um negro simpático, maduro, alegre, falei – como você faz este cabelo, que trabalhão! Ta bonito! Ele, “ah, eu só lavo, passo, acho que um pouco de água sanitária, sacudo, ele se enrola sozinho e fica assim, e cada dia eu lavo sem desenrolar, apenas lavo e pronto. Se eu fosse a um salão seria uma nota preta”. Eu ri alegre, “está ótimo, bonito!”

Até que enfim, por acaso me deparo com um negro, sem racismo e outras milongas mais, que prazer! Tudo informal, todos diferentes e iguais. Delícia.

         Todo mundo papeia uns com os outros, como um baile em que dançam as vozes, as comunicações. Prolonguei a caminhada até ao jornaleiro, folheei revistas e comprei o jornal mais vagabundo de um real, o Extra, que não to a fim de ler notícia. Notícias, tenho eu de mim mesma e dos lindos filhos Gabriel e Luciana, e de todo um universo da vida interior.