Donzela ou Dona?
-Sabe? Hoje em dia não é mais de maior necessidade se ficar com os olhos tão bem abertos para se aperceber as coisas. É grande a probabilidade de um cego as perceber com certa facilidade, já que tem ele seu sentido da audição mais aguçado qual comparado com a maioria esmagadora das pessoas.
-O que?
-Sim, isso mesmo. Talvez por estar você usando com mais intensa presença o sentido da visão, não consiga ver aquilo que se passa por agora. É de suma necessidade escutar com maior atenção, para poder se ver o qual ainda não se pode.
-Mas afinal, do que você está falando?
-Bem, se você sair pelas ruas e bairros do Brasil afora, tendo os seus ouvidos bem atentos para o imperceptível, constatará mudanças extraordinárias dos costumes e ações do povo brasileiro. Não me refiro apenas às culturas milenares, não me reporto somente neste ponto de vista, mas sim num todo de extrema grandiosidade.
Há mudanças se dando neste exato momento em cada viela, cada rua, cada bairro de nossas cidades, mudanças essas obscurecidas pelas nossas vistas muito tênues e frágeis para as poder captar.
-Você não podia simplesmente me dizer logo do que se trata?
Em tempos fortuitos e bastante conceituados na nossa nação – talvez pela excesso de poder atribuído a poucos – o respeito era a palavra de ordem. Desrespeitar a outrem era sinal da mais pura ingenuidade. Para tanto, adjetivos respeitosos eram usados com muita freqüência, e porquê não dizer, bastante apreço; tanto para o lado dos respeitados, como para o lado dos respeitadores. Peguemos o exemplo – não único! – da palavra “donzela”. Nos tempos de nossas tataravós – ou de um extremo puritanismo dos Estados Unidos – essa palavra não era apenas mera formalidade, mas sim um poder. Isso mesmo, se algum dia existiu alguma virgem neste país – coisa que duvido! – ela era possuidora de algo muito valioso; era possuidora dela própria. E hoje é usado apenas por pseudo-pensadores da língua, e românticos desmedidos da nossa época.
A mesma coisa deu-se com a palavra “dona”. Era usada antes, para mulheres quais possuíam algo, às vezes riquezas, mansões, pouquíssimas vezes marido...Com o tempo, o seu sentido perdera-se e passou a ser usado para mulheres cujas fossem apenas, e unicamente apenas, “donas” de seu lar. Hoje essa palavra dona, é usada até com certo tom pejorativo, de deboche mesmo, tomando para si outras particularidades da língua, chamando-se agora de “dona-de-casa”, com hífen e tudo!
Sem contar a palavra “dom”, usada hoje somente por prelados, cardeais e dereméritos da igreja. Antes usada para homens cujos detinham terras, ou algum poder, hoje trocada pelo famoso “seu”. Como o seu Jaime ali da esquina, seu Joaquim da padaria, seu Romildo pedreiro...
Obviamente, não é certo aplicar aqui uma causa única para este probleminha de falta da cordialidade. Nem mesmo é certo afirmar que é culpa das jovens por não se auto-respeitarem, ou mesmo culpa das donas de casa submissas as quais levam pra si, até hoje, o titulo de Amélia. Sem contar que não foi por conta do seu Joaquim ter as coisas tomado proporções tão grandes. Não. Em verdade não é culpa de nada, ou de alguém. Mas este é um dos muitos sinais de mudança da nossa era.
-E bem, você falou bonito, tocou o meu coração. No entanto até agora estou sem entender o que eu tenho com isso seu Romildo!