Uma sabiá

Como já disse Zuenir Ventura, 1968 é um ano que nunca vai acabar. Tantas coisas que ainda hoje acontecem tiveram uma passagem por esse ano dourado, a começar por mim que mantive os meus ímpetos dos 15 anos desde então. Bem, nem todos...

Tudo em ebulição: Praga teve a sua primavera de chumbo; 2001 de Stanley Kubrick veio prá indicar o caminho; Martin Luther morreu como King; Robert Kennedy nem tanto; um coração saltou batendo de um peito para outro; Veja só que revista; AI-5 fez a ditadura mostrar de vez a sua cara; Vietnam levou muitos garotos que amavam os Beatles os Rolling Stones. 1968, ano também de uma linda sabiá.

Alguém faz ideia da eternidade que são 27 minutos ? 
Quase quatro vezes “7 minutos”. Imaginem! Só que não em seqüência que ninguém é de ferro; em 27 minutos tudo pode mudar e ainda sobram sete para contar na Band-News; o Washington Olivetto conseguiria ganhar muitos milhões de dólares com 54 comerciais; um atraso, uma espera; um telefone que não toca, 27 minutos na fila do Banco, tentando achar uma vaga no estacionamento do Shopping; 27 minutos é mais do que uma eternidade. Acho que dá até prá ler todos os meus outros 16 textos e ainda sobra tempo para leituras muito melhores.

Pois foi essa a duração da vaia que Tom Jobim e o Quarteto em Cy levaram no Festival Internacional da Canção de 1968. Alguém pode conceber isso? O nosso maestro soberano sendo vaiado por ininterruptos 27 minutos no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, no Brasil, como se fosse um Maradona precoce se dizendo melhor que Pelé. Estranho, muito estranho, mas aconteceu.

O motivo da vaia foi o primor de composição dele e do Chico (que foi poupado por estar viajando) ter ganho o primeiro premio, deixando "Prá não dizer que não falei das flores"em segundo. Foi vaiada também porque não era engajada com nada, a não ser com a poesia e o mais alto padrão musical que o Brasil um dia produziu ou produzirá.

Vou voltar! Sei que ainda vou voltar para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá que eu hei de ouvir cantar uma Sabiá...

Vou voltar! Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra de uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá e algum amor talvez possa espantar
As noites que eu não queria e anunciar o dia...

Vou voltar! Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão que fiz tantos planos de me enganar
Como fiz enganos de me encontrar
Como fiz estradas de me perder
Fiz de tudo e nada de te esquecer...


Tempos bicudos aqueles , em que o som dos cascos de cavalo no asfalto e a batida dolorosa dos cacetetes eram mais fortes e faziam com que os jovens de então não conseguissem discernir o belo do sublime.



Nilsson
Enviado por Nilsson em 22/11/2008
Reeditado em 05/08/2011
Código do texto: T1297774
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