O RECHEIO DA EMPADA
O leitor que conhece a minha alma vai entender perfeitamente a crônica de hoje. Os que me lêem muito raramente estranharão, mas... muito prazer! Meu nome é Norma e não sou nada normal!
Só para ilustrar a minha “anormalidade”, eu não assisti a nada além de alguns pedaços da abertura e da “fechadura” (ambas lindas) dos jogos olímpicos de Pequim. As razões para tal são, pelo menos, duas.
A primeira delas é que embora eu reconheça a importância da prática de esportes para o lazer e para a saúde corporal, abomino os esportes de competição não por eles, mas exatamente porque os seus resultados originam os risos dos vencedores e o pranto dos vencidos.
A segunda tem a ver com quantidade de dinheiro que é gasta em eventos assim. Os Jogos Olímpicos de Pequim, por exemplo, custaram cerca de 42 bilhões de dólares (cerca de 70 bilhões de reais. Qual será a altura desse montante se empilharmos as notas, hem?), foram os mais caros da história e realizados por um país onde, segundo dados do Banco Mundial, existem mais de 135 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 por dia.
Creio que se perguntamos aos cariocas, por exemplo, se valeu à pena eles realizarem os Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro, eles dirão que sim. Os chineses, que, ainda por cima, aproveitaram para provar ao mundo que são muito organizados, certamente afirmarão o mesmo. Talvez, entre as justificativas, eles digam que tudo não passou de um ótimo investimento. Metaforicamente, os mais descarados confessarão que por causa do recheio gostoso de uma empada vale à pena encarar a massa solada que possa cercá-la. De certa forma, é como se por trás de tudo houvesse o fétido odor de que fala Shakespeare, em Hamlet, sobre o reino da Dinamarca.
Em minha “anormalidade”, eu tenho dificuldades para entender por que o homem considera importante gastar dinheiro com coisas secundárias e não consiga pensar o mesmo em relação às coisas primárias. Explico: como é que o homem facilmente mobiliza recursos para ter vantagens posteriores, mas não o faz para acabar, definitivamente, com a miséria e a fome do mundo?
Percebo, claramente, uma semelhança de derrame de dinheiro entre os campeonatos e as campanhas eleitorais. Ocorrem-me, então, muitas perguntas que eu poderia guardar para mim mesma, ferindo o meu papel de educadora e juntando-me aos “maus”.
Como assim? Ora, foi Martin Luther King quem disse certa vez: “O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons.”. Considero essa uma declaração brilhante! Meu Deus, por que os bons se calam? Por covardia? Por medo de serem assassinados como Martin o foi? Até que ponto o silêncio dos bons contribui para que a indecência prevaleça? Quão cegos e ignóbeis são aqueles que sentem os “fétidos odores dos reinos das Dinamarcas” (Hamlet), mas tapam seus narizes, olhos e bocas?
Não quero ter o fim de Martin, nem da jornalista Maria Nilce, mas também me nego a ficar no grupo dos silenciosos e omissos, por isso, com licença, mas preciso de lhe perguntar, meu leitor:
Quanto será que custa para empestear carros e casas com adesivos, faixas e placas de candidatos? Por que será que se gasta tanta grana em campanhas eleitorais? Quem as financia? São os próprios candidatos dilapidando seus patrimônios? E fazem isso por amor a quem? São movidos pela esperança de reposição por meios pouco éticos? São as pessoas e empresas “simpatizantes” que fazem doações? Ninguém quer nada em troca depois? Nem um empreguinho, nem uma “tetinha”, nem uma mamatinha? Será que o motivo principal é a possibilidade de arrumar uma bocona (isso mesmo, aumentativo de “boquinha”) de prestação de serviços posteriormente? Os “simpatizantes” não estarão ávidos para combinar e ganhar futuras licitações, superfaturar seus preços e depois “rachar” o lucro, por baixo da mesa? Será que as pessoas querem vencer apenas para servir ao povo? E elas fariam isso se os políticos não fossem remunerados? Ah, não é bem pela remuneração que as pessoas querem os cargos? E é por que mesmo, hem?
Não sei por que eu acho que é por causa do “recheio da empada”.