PERDOAR NÃO É ACEITAR (o filme)
 
 
 
Peço desculpas a você, estimado leitor, acostumado a me ver tentando diverti-lo. Hoje, Dia dos Pais, é uma data especialmente triste: não tenho o meu vivo, e exatamente há um ano vivi um episódio lamentável, sem nenhuma solução louvável até agora. Esses fatos me sensibilizam e trazem à memória um “filme” cheio de cenas ora alegres, ora tristes ou revoltantes. Na impossibilidade de voltar ao tempo, de mudar o roteiro ou o elenco, restam-me apenas escrever e desabafar.
 
Inspiro-me num foto de família, tirada há 47 anos, exposta sobre a estante da minha sala. Eu provavelmente tinha 04 anos, e caminho de mãos dadas com meus pais, que também seguram as dos meus irmãos Nilinho, Niltinho e Nedinho.
 
Em meu rosto há um sorriso inocente, como o de quem não sabe que viver pressupõe sorrir por vontade própria e chorar por vontade alheia. Vem à minha mente, uma cena de “Sociedade dos Poetas Mortos”, em que o ator Robin Williams, no papel de um professor, leva seus alunos a uma sala de fotos antigas e lhes fala sobre o Carpe Diem, ou seja, sobre a importância de se colher cada dia.
 
Então, viajo na memória e vivo um filme com cores e odores reais, mas impossíveis de serem retratados fielmente. Vejo nossa casa enorme, o salão do Tiro de Guerra, eu no colo dos soldados atiradores, papai marchando com garbo, mamãe comandando a casa, os meninos brincando de Roy Rogers, bolebas, piões...
 
Pelas ruas de minha cidade, eu e meus irmãos sentimos a brisa nos rostos e observamos tudo, sobre a bicicleta verde, com farol e campainha, pedalada por nosso pai. Voltam os passeios a cavalo, o sabor das goiabas fluminenses e da água mineral da região. Uma vez mais, vejo as brancas nuvens que enfeitavam o céu muito azul da minha terra, e nelas enxergo meus carneirinhos de então. Recordo-me, assim, dos muitos passeios, dos risos, das músicas ou poesias que juntos curtíamos.
 
Num avanço no tempo, indelevelmente estão as cenas nos leitos dos hospitais. Voltam, então, as dores dilacerantes que me invadiram nas duas manhãs de domingo, uma em novembro de 1987, outra em julho de 1994, quando Deus levou meus pais. Lembro-me de ter Lhe pedido que não os tirasse de nós e, a seguir, que jamais me abandonasse.
 
Desde então, Ele, que de fato nunca me abandonou, tem me ajudado a construir na cabeça de meus filhos, “filmes” igualmente inesquecíveis. Tenho lhes ensinado que é importante não levar-se a sério, mas que é preciso jamais esquecer de que é estupidez demais buscar a felicidade infelicitando pessoas.
 
Experimentando na pele, tenho lhes ensinado que é importante não se omitir nas causas que julgarem essenciais para a decência do ser humano, mesmo que os preços não sejam justos e as covardias se manifestem.
 
Assim, se chegarem a ser vereadores, não serão canalhas a ponto de caluniar pessoas (sobretudo as mulheres) e nem se esconderão sob o manto da impunidade ou da covardia, impedindo suas defesas.
 
Caso venham a ser médicos, não terão a insensibilidade de dizer que não há o que fazer por um paciente, nem se sentirão no direito de cobrar por serviços não prestados.
 
Se por ventura chegarem a ser juízes, jamais julgarão causa alguma sem ter lido os processos, não proporão acordos ridículos, nem se valerão de seus cargos para oprimir os que se contiveram para não fazer justiça imediata.
 
Eles jamais aceitarão que meus netos, numa noite de Dia dos Pais, dirijam-se à casa de seres humanos, arremessem uma bomba na varanda e deixem um bilhete indecoroso mandando a dona da casa “tomar naquele lugar e levar os seus filhos horrorosos ao Dr. Ivo Pitanguy”. Se ainda assim algo similar ocorrer, eles deverão ter a decência de se indignar, de se envergonhar e de se desculpar pelos atos dos filhos.
 
Se forem apenas amigos das vítimas, eles serão verdadeiros e solidários, jamais covardes, omissos ou coniventes. Tenho buscado lhes ensinar que é necessário perdoar, mas que isso não significa esquecer ou aceitar, pois esses dois verbos podem ser os pais da canalhice, da injustiça e da indecência, ervas daninhas que abundam o mundo.
 
Por fim, agradeço sinceramente a você, meu leitor, por ter assistido ao filme até aqui, e também por ter entendido que, exatamente hoje, seria impossível brotar risos a partir de mim.