EQUILIBRISTA DE PRATOS
“Respeitável público, com vocês o maior espetáculo da Terra: os artistas do circo!”
Quando menina, assisti a um filme chamado “Circo dos Horrores”, cujo enredo tinha um assassino que matava quase todas as mocinhas, tendo como trilha sonora a música Look for stars, uma das mais lindas que já ouvi.
Pouco antes, a revista O Cruzeiro estampara fotos e matéria sobre um outro horror acontecido no dia 17 de dezembro de 1961: o incêndio na matinê do Gran Circo Norte-Americano, em Niterói (RJ). Em três minutos, o toldo, em chamas, caiu sobre os 2.500 espectadores, que, em pânico e com medo das feras que se agitavam nas jaulas, tentaram fugir, mas foram pisoteados. O saldo foi de 250 mortos e 400 feridos.
A partir dessa tragédia fluminense, acho que todos os pais se assustaram e quiseram impedir que seus filhos fossem aos circos. Os meus, por exemplo, só permitiam que eu e meus irmãos fôssemos aos espetáculos, se jurássemos, “de joelho e pé junto”, que nos sentaríamos próximos à porta de saída. Fazendo figa ou não, jurávamos e acabávamos ganhando permissão para ir. Aliás, a gente ia logo era assistir à montagem dos circos, que, por si só, já é uma diversão.
Excetuando-se o Circo Orlando Orphei, a que tive o prazer de assistir em Vitória, os demais sempre tinham lonas furadas, animais famintos e arquibancadas toscas. Sentada nelas, eu me entortava toda para ver o espetáculo, pois, quase sempre, havia uma cabeçorra (Há quanto tempo você não lia essa palavra, meu leitor?) ou um mastro na minha frente.
Confesso que, invejosamente, desejei muitas vezes, que o camelo estivesse com diarréia e desse um “jato” em cima dos rostos sorridentes dos parentes e amigos dos prefeitos, que ganhavam ingressos para os camarotes, e podiam ver tudo de pertinho.
Quando mocinha, muitas vezes eu me apaixonei pelos artistas bonitos e desejei acompanhar os circos. Pensava que não seria tão difícil trabalhar como contorcionista, pois, por incrível que pareça (eu tenho fotos), eu já fora baliza do Colégio Estadual, e desfilara nos dias 22 de agosto e 07 de setembro de 1968, na Av. João Felipe Calmon, em Linhares.
Por certo, eu não podia mensurar o quanto deveria ser ruim viver viajando, morar em barracas, conviver com escassez de água para higiene, e ficar sentido o cheiro dos animais selvagens. Meu desejo, porém, passava logo, quando eu me lembrava de que minha mãe era brava para valer e não hesitaria em fazer meu pai, que era militar e bom de pontaria, me encontrar nem que fosse embaixo do rabo do elefante, só para ela me encher de porrada e me ensinar o caminho de casa me arrastando pelas tranças (eu as usava).
Então, eu me limitava a achar tudo lindo e empolgante, a rir muito com os palhaços, a ficar extasiada com os mágicos, e a perder o fôlego com os malabaristas, contorcionistas, trapezistas e equilibristas, sobretudo os de pratos, cuja performance me dava muita agonia.
Para quem não se lembra ou não assistiu ao número dos equilibristas de pratos, eu o descrevo: os borés (se lembra dessa palavra?) dispunham sobre o picadeiro uma espécie de cavalete de metal, com, no máximo, 2,5m de largura e uns 80cm de altura, umas 12 varetas molengas e uns 12 pratos de louça branca. Entrava um jovem, normalmente bonito, e começava a fazer girar um prato sobre uma vareta e a espetava no referido cavalete. Quando ele estava, mais ou menos, na sua 8ª tarefa, o 1º prato já estava bambeando e o artista tinha de correr o tempo todo para não deixar os pratos caírem.
No domingo passado eu fui ao Circo Royter Spetacular, que está instalado no Parque de Exposições, pertinho de minha casa. Encantei-me com o luxo da lona, do som, da iluminação, das dezenas de roupas e adereços usados pela bonita apresentadora (Giselle), e com os poucos (se comparados aos muitos circos a que assisti), mas muito bons artistas e números.
Deixei o circo com dois desejos: o de agradecer e abraçar a família do Sr. Royter Neves Mafi por lutar e preservar a magia do circo; e o de integrar a trupe.
O que eu faria no circo? Vejamos: ao coordenar curso de graduação e comissão de avaliação de instituição de ensino superior, ao lecionar Português e Inglês, ao dar conta de tudo que meus chefes e o MEC me pedem ou mandam fazer, ao redigir ou corrigir artigos científicos, ao capacitar pessoas, ao fotografar eventos e ao escrever crônicas pensando em você (tudo, às vezes, numa mesma semana); eu sinto que eu sei assobiar, chupar cana, soprar balão e mascar chicletes, ao mesmo tempo.
Diante dessas habilidades, equilibrar alguns pratinhos sobre varinhas molengas talvez não seja uma coisa do outro mundo para se aprender.
Agora que eu não tenho mais tranças, se não fosse o amor que eu nutro pelo meu marido e meus filhos, estaria na hora de eu pedir emprego aos Mafi Brothers (Giselle, Royter Junior, Styvens e Tiago), só para depois fazer aquele jogo de braços e pernas de bailarina, e agradecer os aplausos.