NEM MORTA, MINHA FILHA!

Minha voz continua a mesma, mas a minha fisionomia...quanta diferença! 

A ação do tempo e a influência da lei da gravidade sobre o ser humano parecem ser inevitáveis, mas para Dona Herondina Lyra, sogra de meu irmão Nilo, não é. Conheço-a desde os 12 anos e ela continua enxutinha, lúcida e lindinha. Seus pezinhos e mãos estão sempre cuidados por manicure, os cabelos grisalhos estão sempre realçados com bons Xampus tonalizantes de cor cinza...

A vida aprontou-lhe umas boas, mas seu corpo não se dobrou e muito menos o seu amor à vida. Quando Sr. Adalberto, seu esposo, precisou, dele ela cuidou até os seus (dele) últimos dias.

Mesmo viúva, não quis saber de morar com nenhum dos filhos ou netos.  Alugou e montou uma kitchenette e vive numa boa. Preocupada com o fato da mãe morar sozinha, sua filha mais velha tentou convencê-la de que a idade avançada traz limitações e perigos. Para sua surpresa ouviu de chofre: "Ora, Penha, se você está ficando velha é problema seu. Eu estou novinha!"

Aos 79 anos, só há uma coisa que Dona Herondina teme: a morte. Em função desse medo, se uma dorzinha qualquer, onde quer que ela esteja, a incomoda, ela procura logo um médico especialista e faz tudo bonitinho: os exames, as dietas, a ingestão dos remédios...

Um dos seus apertos foi quando Dona Ataly morreu. Muito brincalhona em vida, a amiga prometera visitá-la após a morte para contar-lhe como eram as coisas no além. Quando brincamos que a visita será na noite da nossa conversa, ela grita logo: " Cruz credo! Não quero saber de nada!"

Incentivada pelos filhos e netos para viajar ou gastar as suas economias, ela, divertidamente, explica o porquê de não o fazer : " Quando a morte quiser me levar, eu posso tentar suborná-la e passar para o último lugar da fila ".

Costumamos brincar dizendo que Dona Herondina nos enterrará a todos

Dia desses ela ficou aborrecida porque sua filha não a levara para ver, de longe, a falecida avó do marido de sua neta Fernanda. Quando a filha lhe contou que o velório fora no cemitério de Santo Antônio, em Vitória, e que à meia noite os portões tinham sido fechados, Dona Herondina , entre surpresa e espantada gritou:

 - ”Cruz credo! Ainda bem que você não me levou! Eu, hem?! Agora para se ir um pouquinho a velórios, tem de se perguntar onde é. Que perigo! Passar a noite trancada em cemitério... ? Nem morta, minha filha!”