Muttchen Afrika
Já se passaram muitos anos. Foi em 1994 que fiz parte da organização de um evento chamado “Jornada Zumbi dos Palmares – Projeto valorização da vida ”. E, nessa época, que descobri minhas fortes influências africanas, ao mesmo tempo em que vivi os muitos dilemas que um afro-decendente vive por aqui.
Não sou propriamente uma afro-decendente típica, ao contrário, minha tez é de um bronzeado “palmito” muito característico, como bem define uma amiga e meus cabelos “brotam”, como define uma outra amiga, da cor do trigo. Descendo diretamente de alemães e ucranianos, mas há comprovadamente um tanto de franceses, italianos e é claro portugueses. Mas cresci sem ter tido uma única confirmação de um traço africano no meu genoma.
Vivo, é verdade, muito próxima da cultura alemã, gosto da nossa culinária, de um chope, de rir e de falar alto, como salsichão com mostarda, adoro festas! Gente reunida, sabe? _Peraí, isso é traço alemão?! Como o brasileiro é parecido com o alemão; e como é diferente também. Engraçado...
A “jornada” me despertou sobre o fascínio que sempre tive pela cultura negra. Leio Jorge Amado desde criança e sempre amei as aventuras de seus personagens pelas ruas da Bahia, filial registrada da África Negra, tenho certeza. Os rituais de Candomblé e Umbanda, que tive oportunidade de assistir quando criança, ficaram marcados em minhas memórias como fascinantes e apavorantes ao mesmo tempo, eu, simplesmente, adorava!! Assisti ao filme “Zumbi dos Palmares” ainda menina e, confesso, guardo até hoje uma “quedinha” pelo ator Antônio Pompeo. Inesquecível! Isso para não contar que as novelas, fimes e séries que tratavam a questão da escravidão e do orgulho negro foram sempre os meus favoritos. “Quizomba”, enredo vitorioso da GRES Vila Isabel me conquistou e torço pela escola até hoje.
Foi somente quando me convidaram para fazer parte da comissão organizadora deste evento, realizado nos anos de 1994 e 1995 pela subsecretaria de cultura do município de São Gonçalo, que me dei conta desse profundo interesse. Ganhei um apelido que gosto de lembrar: “Crioloura”, eu, exatamente. E também por causa desse evento acabei sofrendo um pouco do preconceito “ao contrário”; fui discriminada em uma das ONGs que procuramos para participar da Jornada. Foi uma só, em tantas outras fui muito bem recebida e em algumas me senti acolhida.
Essa foi, sem dúvida, uma das experiências mais felizes da minha vida e me orgulho muito de tudo o que aprendi e do que pude ajudar a difundir como dicussão e práticas da igualdade racial. Foi pouco, eu sei, mas foi um começo que tenho visto cada dia mais presente nas pautas, acho que estive junto quando davam os primeiros passos, gosto de acreditar nisso.
E alguns anos depois, os cientistas me deram uma resposta que até então eu não tinha. Descobriram, na África, os vestígios do primeiro ser humano. Minha Enésimaavo, eu sei. E agora canto, embasada pela ciência: “Mama África, a minha mãe, é mãe solteira...” . Sou eu também um afro-descendente, graças à Deus.
Então, uno meu grito ao dos que lutam: “Valeu Zumbi!!!Danke”