A SACOLEIRA, O AVIÃO
Estava dando tratos à bola, pensando com meus botões, sobre o caráter cíclico da vida. O inevitável repetir de atos, fatos, coisas e situações. Não estava preocupado com nada pessoal e na verdade nem preocupado estava. Nem podia estar, afinal voava em bela tarde ensolarada na direção de Fortaleza. Mas não é disso que falávamos e sim das inevitáveis comparações entre a crise econômica atual e a quebra da Bolsa em 1929,ou seja, o ir e vir das repetições.
Leio diariamente sobre isso. Divagações de diversos calibres e uma boa tonelada de besteirol são despejados por hora nos meios de comunicação. Pessoas sérias e outras nem tanto, insistem em identificar ligações entre o que aconteceu em 1929 e o que está acontecendo agora. Na minha modesta opinião não há como. A única semelhança que vejo é o fato de que naqueles tempos, como agora, houve (e há) uma infinidade de idiotas dando vazão ao que se acostumou de chamar “efeito manada”.
Como bom brasileiro passei por diversas situações nos últimos trinta anos, que se contadas em seqüência, estarreceriam qualquer europeu ou norte-americano.
Vamos começar pelo incrível furo nágua que foi o Plano Cruzado, iniciado com euforia e terminado em mais inflação e confisco de bois pelo país afora. Depois veio o Plano Verão , o Plano Collor, cada qual destes três, com as suas peculiaridades de fazer Napoleão de Hospício parecer uma Poliana Cinderela. Ao mesmo tempo lembrei de Chaplin e seu maravilhoso “Tempos Modernos”. Não há como não lembrar. É inevitável.
Mas, para não perder o fio da meada e nem enveredar por pretenso tratado macroeconômico travestido de aula de história, vou ficar mesmo com o período compreendido entre o final dos anos oitenta e o início dos noventa. Precisamente o tempo abrangido pelos planos econômicos já citados.
Naqueles tempos poucos conseguiam empregos estáveis ou, mesmo se os tinham, não eram nada rentáveis. A oferta de mão de obra era abundante e o mercado teimava em não crescer e, assim, não absorvia a mão de obra sedenta por trabalho. Para completar, a inflação tratava de corroer o pouco que se conseguia juntar. Daí, muitos se enveredaram estrada afora, mais precisamente a caminho de Foz do Iguaçu, na esperança de revender mercadoria contrabandeada, de modo a garantir uns trocados e a sobrevivência da família. Nesta época, morava no interior do Estado e conheci muitos que se aventuravam assim, em intermináveis viagens de leva e traz. O apelido deles todos era “sacoleiro”. No princípio foram bem acolhidos pela sociedade, pois antes do Governo Collor pouco, ou nada, se conseguia de diferente nas lojas brasileiras e o pouco era caro, muito caro. Estas pessoas garantiam o diferente a preços módicos se comparados aos praticados sob a batuta do imposto. Brinquedos e eletro-eletrônicos, além de toda sorte de traquitanas movidas à pilha, eram comercializados inclusive por encomenda. Foi uma época em que houve espaço para todos. Qualquer um que se aventurava voltava com um troco a mais. Alguns até evoluíram para lojas próprias e outras formas de comércio. Outros ficaram apenas com as lembranças das noites mal dormidas e algumas estórias das batidas policiais e suas inevitáveis apreensões com os conseqüentes prejuízos.
Pois bem, o tempo passou e de um absurdamente caro Apple de 8 bitts com tela de fósforo verde, evoluímos para computadores de última geração, com processadores com “dois corações”, portáteis e com acesso à internet em qualquer lugar a qualquer hora. O ridículo disquete de 5 1/4” virou peça de museu, tanto quanto o seu barulhento leitor externo, ambos substituídos pelo “pen-drive” de 8 “um monte de espaço” “gigaultratudo e mais alguma coisa”. E tudo ficou muito barato se considerarmos uma relação de custo-benefício apropriada e, obviamente, preços relativos.
Portanto, os sacoleiros foram minguando, as mercadorias foram barateando e a concorrência meio que ficou insustentável e foi ganha pelo mercado formal, da mercadoria de loja, com nota fiscal e garantia. O país deu uma modernizada, digamos assim, tanto é que a famigerada lei da reserva de mercado para o setor de informática simplesmente sumiu do mapa.
Mas como estamos em meio a “maior crise econômica desde a segunda guerra mundial” e as pessoas gostam de se comportar regidas pelo efeito manada, os sacoleiros estão voltando. Um aqui, dois acolá e quando menos se der conta, lá estará aquele caminho de saúva a devastar tudo que estiver a sua frente. E digo isto pois hoje vi uma sacoleira no avião. E, garanto, não ter duvidas acerca do que vi.
Estamos apenas repetindo a nós mesmos? É uma daquelas repetições didáticas para aprendizado? Somos modernos? Afinal, temos algum controle sobre o nosso destino?