O Andarilho das Horas

Lá vem ele dobrando a esquina... “Droga, não é o meu”, pensei. A espera pelo ônibus já está demasiadamente cansativa. Começam a vir as reclamações em voz baixa, as quais só eu mesmo posso ouvir. Então porque falar? Parece que só pensando não são válidas, precisam ser ao menos, murmuradas. “Que horas são?” Imagino que essa foi a pergunta que saíra de sua boca do outro lado da rua, pois apesar do silêncio, meus fones de ouvido não me deixaram entender e a cena do sujeito olhando para o relógio e respondendo com pouca confusão não me deixa outra conclusão. Lá vem ele em minha direção. Não, não estou falando do ônibus e sim do Andarilho das Horas. “Ôopa”. Saudou-me com muita sinceridade e alegria. Levava consigo um sorriso franco e ostentava um uniforme como quem acabara de sair do trabalho. Meus olhos o acompanhavam e fitavam tal espontaneidade em cumprimentar as pessoas. Parou. Provavelmente em alguém que ele possa conversar o suficiente até à hora em que seu ônibus passar. Sumira da minha vista, mas não da minha mente. E eu continuo à espera. Vejo cada vez mais pessoas se levantando e tomando posse das cadeiras em seus respectivos ônibus. Quanto a mim, nada. São 14h20min de uma ensolarada tarde de sábado e o mesmo parecia se intensificar a cada instante. Outra coisa me chamara a atenção na mesma tarde em que esperava o ônibus com uma paciência obrigatória, foi uma mulher que andava lentamente do mesmo lado da rua em que o andarilho perguntara as horas ao sujeito confuso. Ela caminhava de forma muito estranha, e de vez em quando parava e ficava na mesma posição por minutos, e depois retomava seu percurso, sem se esquecer das pausas que a caracterizavam. Não quero ser polêmico, mas a mulher parecia possuída. Em certo ponto deu até medo. Carros, bicicletas, motos, caminhões e ônibus (sempre os dos outros) passavam na minha frente me desconcentrando da boa música que ouvia. Enquanto isso só me restava esperar. E esperar. “Até que enfim”. Foram as palavras que desferiram da minha boca, meio sem querer. Tomo posse da minha cadeira exclusiva do sábado à tarde, pois o fluxo de passageiros é bem menor comparado ao do meio de semana. Quando o motorista dá a partida, percebo que uma coisa ainda me intrigava: A felicidade do Andarilho das Horas. Talvez esse apelido não lhe caia muito bem, porém um detalhe fundamental que não mencionei outrora é que suas pernas eram atrofiadas e ele andava numa velocidade abaixo do normal para um humano. Sinceramente quando o vi dobrar a esquina, senti pena, mas depois percebi que ele era quem deveria sentir pena de mim por não ter a mesma expressão figurada no rosto. Ficara pra mim a lição de que a felicidade é constante na vida de muitas pessoas, e que não é preciso muito para encontrá-la. O Andarilho das Horas, sem dúvida marcara meu dia, mas acho que preciso ver um desses diariamente pra ‘perceber’ que a felicidade, junto com ele, está dobrando a esquina.

Conclusão: Só três coisas dobram a esquina e vêm em nossa direção.

• O Andarilho das Horas;

• O ônibus (mesmo que tardio);

• E a Felicidade.

Heitor S
Enviado por Heitor S em 20/11/2008
Código do texto: T1293582
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