NEGRO
Negro
Negro, preto, de sonhos dourados
Vieste de um Continente além da costa.
Navios acorrentaram o nome de tua raça
Mas dos Negreiros fizestes o dom da graça
E aqui mostras para outras raças como sobrevive o Amor à desgraça.
E a “liberdade abriu as asas sobre vós”
E livre fugiste para o nada e em pouco tempo retornaste
Percebeste que somente o trabalho levaria tua raça para o Amanhã.
Tornaste-te um Homem Livre, mas arrastaste as correntes da discriminação para o Futuro.
Conheci-te na infância e não sabia por que eu era diferente.
Teu sorriso, tua resistência, teus cabelos e teu suor eram diferentes.
E eu branco, alemão dos arrozais me sentia diferente, afeito aos demais.
Brincávamos, jogávamos bola e estudávamos juntos.
E eu tão perto não conhecia teus sonhos e nem a tua história, ali no final da rua.
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Não entendia porque o mato adentrava a tua casa e nem as velas que acendias.
Andávamos todos descalços, mas mesmo sem querer, eu me sentia superior, feito Feitor de Senzala.
Para mim a pobreza era relaxo. Era falta de empenho, vontade ou preguiça.
Tua mãe não queria televisão, só a Bíblia e lhe dar a educação e instrução.
Os pés de tucum cachearam muitas vezes e o sagu não durava muito tempo, era saboroso demais.
Os pés de camélia floriram muitas vezes e se desfazendo de suas pétalas deixavam o chão, um tapete de estrelas.
As geadas branquearam os campos e queimaram o capim. Renasceram mais verdes do que antes.
As marés subiram e desceram inúmeras vezes e levaram alguns sonhos mar adentro,
Outras vezes trouxeram as gaivotas brancas manchadas de óleo dos navios petroleiros que afundaram mar adentro
Teus cabelos se aproximaram dos meus.
Nossos olhares não tão diretos parecem que perdemos algo no chão.
Encontramo-nos no Hospital estes dias, eu internado pelo SUS, querendo continuar a viver e você surgiu negro em um guarda-pó branco.
Por momentos esqueci os navios negreiros, as senzalas. Só pensava nas Correntes da Liberdade!
Eu lembro que lhe falei baixinho, para mim parecia um grito!
DOUTOR, POR FAVOR, ME SALVE!
Um pouco de história, um pouco de ficção.
Desejamos que o Homem se liberte de tantas coisas, mas as suas próprias manchas sempre ficam apesar das novas fórmulas.