Apenas Mais um Fim de Semana

Sábado, dia 15 de novembro de 2008. Decidi ir a São Carlos, interior do Estado, a fim de dar um presente de aniversário à minha sobrinha de 13 anos e também rever meu primo Beto, recentemente chegado de Manaus. Este primo é como se fosse um verdadeiro irmão para mim: jovem e grandalhão no auge de seus 26 anos, é um gigante branco de cabelos negros encaracolados. Conversador, bem-humorado e carismático, e tudo isso não por bajulação nem carência de atenção dos outros; trata-se de coisa autêntica que vem de dentro da alma dele, algo intrínseco. Realmente é difícil que alguém não simpatize com ele logo de cara. Trata-se de alguém que ri mui facilmente; são gargalhadas que às vezes pegam de surpresa devido ao aparente baixo grau de risibilidade da piada ou da situação: um comentário um pouco mais irônico ou o jeito como falamos sobre qualquer coisa na frente dele, quase sempre são motivos suficientes para desencadear no Beto uma tempestade convulsionante de gargalhadas seguidas; as risadas tomando conta dele por completo, impedindo-o mesmo de concluir uma só palavra que seja quando se encontra nesse estado. O rapaz, não raro em situações como essas, nos faz crer que pode chegar a sufocar! Ora, e isso é contagiante, pois qualquer que estiver no mesmo ambiente com o Beto numa dessas situações, imediatamente se deixa levar pelo mesmo espírito de bom-humor e acaba se entregando a explosões de riso quase tão intensas quanto as dele pelo simples fato de vê-lo abrir-se a gargalhar naquele estado. É como uma reação em cadeia: chega-se ao ponto de estarem todos rindo ao redor, dominados que foram pelas insistentes e poderosas risadas do meu primo. O próprio motivo inicial que deu ensejo à piada, a esta altura, já é totalmente ignorado e esquecido.

Combinamos que ele me apanharia na rodoviária da pequena cidade. A caminho da casa de minha tia, paramos num boteco qualquer (daqueles sujos, azulejos danificados e de péssimo acabamento, com umas poucas mesas plásticas e a maioria delas quebradas ou rachadas, e cadeiras metálicas dobráveis). A música era um sertanejo dos mais popularescos possíveis, falando de amor, paixão, infidelidade e assuntos próprios desse gênero. Os demais freqüentadores, homens pançudos de meia-idade, mal amanhados e barba por fazer. Nada disso interessava: nosso negócio era parar em qualquer lugar onde houvesse cadeira e mesa e começarmos já a nossa celebração lá mesmo, em plena tarde do sábado.

Depois de umas cervejas, tocamos para a casa da minha tia, onde poderíamos tomar banho e pôr roupas mais apropriadas para o aniversário de minha sobrinha à noite. Presenteei-a com um urso de pelúcia comprado de última hora no shopping (posso crer que ela realmente apreciou o presente). Aproveitei para conversar com alguns parentes que há tempos eu não via.

Fomos até um night club chamado Café Acapulco, bastante conhecido na cidade. Não gostamos nada do local: decoração interior caprichada, é verdade, mas um tanto desanimado e freqüentado por gente que parecia estar desfilando moda nos corredores de um shopping (aliás, diga-se aqui, o Acapulco se localiza realmente dentro de um shopping!). Não agüentamos permanecer lá por mais que uma hora e meia, e saímos para o Armazém Brasil, um local amplo, bem estruturado e divertido que visitáramos duas semanas antes.

Dito e feito: o Armazém, como da outra vez, repleto de gente interessante, mulheres bonitas e pessoas bem apresentadas que lá estavam para experimentar bons momentos de diversão. Ótimas bandas se apresentavam no palco, mas guardo boa lembrança especialmente da primeira: logo que pegamos a comanda e adentramos o ambiente tocavam o “Tropa de Elite” do Tijuana. Sempre gostei dessa música - nem tanto pela letra, mas pelo som dela em si. Acho que possui riffs bem contagiantes, e interessante também é a partitura do baixo. A banda mandou realmente bem, mostrava que estava perfeitamente ensaiada, a qualidade na execução das músicas era impecável. Outra música que me arrebatou foi “Other Side”, do Chili Peppers:

“How long how long will I slide

Separate my side I don’t

I don’t believe it’s bad”.

A platéia, toda ela empolgada, fazia coral com o vocalista durante praticamente a música inteira.

Eu localizava-me ora próximo ao bar, onde o Beto mais freqüentemente estava, ora ia à frente para poder curtir melhor o som das bandas. Numa dessas idas ao bar, já após várias cervejas ao longo do dia, vi que meu primo se havia enturmado com dois camaradas que conhecera ali mesmo. E ficamos nós lá, os quatro, encostados ao balcão continuando a tomar cerveja, apreciando o som e paquerando as belas garotas que nos passavam em frente. Em dado momento, por idéia sei lá de quem, resolvemos tomar umas tequilas. Eu sabia que tomar bebida destilada após estar cheio de fermentada (a cerveja), não era idéia das melhores. Porém, era noite de diversão e naquele momento não quis eu dar maiores preocupações a efeitos colaterais. Todos com umas pitadas de sal sobre a mão esquerda, gotinhas de limão espremidas em cima; uma grande lambida para sorver de uma só vez o sal e limão, o cálice com a bebida na mão direita e “Um, Dois, Três, Quatro!”, e lá iam as tequilas pra dentro de nós goela abaixo. A sensação era a de que tivéssemos engolido fogo. Algum tempo depois, lá vamos nós novamente. Mão esquerda, limão e sal, mão direita tequila e “Um, Dois, Três, Quatro!”. Animado pelas doses a mais, fui novamente à frente do palco para prestigiar a performance da banda, que àquelas alturas confesso não fazer mais a mínima idéia do que é que tocava. Era a maldita bebida já a postos em meu sangue e cérebro, não tardando a cobrar seu preço. Procurei meu primo por todo o clube, sem sucesso. Decidi pagar minha comanda nos caixas e sair dali a fim de respirar ar puro e, com alguma sorte, encontrar meu sumido primo me esperando do lado de fora, no gramado ou estacionamento.

Só então me dei conta de que estava passando mal, mal de verdade. Fui tomado pela ânsia, náusea e mal-estar que só quem já tomou um belo dum porre pode saber como é. Sentindo-me vencido diante de meus exageros alcoólicos, achei de bom alvitre deixar-me deitar expostamente no gramado, de barriga pra cima. Em minha cabeça, de tão alcoolizada àquela altura, já nem passava a lembrança de que estava à procura de meu primo. Decidi deitar na grama a uns cinqüenta metros frente uma viatura policial. Todos os policiais estavam a postos fora da viatura. Mesmo percebendo que conversavam descontraídos entre si, notei que se postavam naquele ponto em estado de alerta em relação ao ambiente; coisa própria da profissão. Para mim, antes tirar um cochilo na área aberta do gramado de frente para a viatura policial, que me enfiar escondido num lugar escuro qualquer, embriagado, naquele grande estacionamento.

Após sabe-se lá quanto tempo nesse sono ébrio, um segurança da casa, sujeito bem-vestido de terno, negro e calvo, foi dirigir-se a mim: “como é que vai aí, rapaz? O que foi que você bebeu, amigo?”. Olhei no fundo de seus olhos e mal consegui articular sílabas para responder-lhe. “Tome aqui, fique com esta garrafa d água. Pode beber tudo que você logo vai se sentir melhor”. Enquanto bebia, notei que os policiais já se recolhiam todos na viatura a fim de irem embora; realmente já se fazia tarde àquelas alturas. Os freqüentadores do Armazém se encontravam também de saída, na parte externa e no estacionamento, no intuito de tomarem seu rumo de volta. A noite havia acabado.

Um outro segurança, também de terno azul, veio a mim e me ofereceu outra garrafa de água, igualmente recomendando-me a tomá-la toda. Foi exatamente o que fiz, e percebi que começava a sentir-me um pouco melhor. O primeiro segurança, o negro, veio então conversar sobre o que me havia de melhor a fazer. Ainda grogue, mas já de pé e caminhando, expliquei-lhe que chegara ali com um primo, mas que àquelas alturas talvez esse primo já tivesse ido embora do local e voltado pra casa, ou quiçá tivesse arranjado uma mulher e levado-a motel. Disse ainda que viéramos num Honda Civic. O segurança pediu-me que aguardasse e se ausentou um pouco. Instantes depois, vejo-o andando rápido na minha direção e dizendo que havia encontrado um cara deitado dentro de um Civic, “pelo que você descreveu só pode ser seu primo!”. E era mesmo o Beto, todo esticadão na poltrona atrás do volante, perdido num sono profundo. Aquelas tequilas... Agradeci o auxílio ao segurança, abri a porta do passageiro e imitei meu primo: espichei-me completamente no confortável banco daquele carro e me deixei levar por um sono artificial e pesado, causado pela indulgência no álcool.

Horas depois, já cedo pela manhã, abro os olhos e vejo que estamos estacionados bem em frente à casa de minha tia Mirna, mãe do Beto, num tranqüilo bairro residencial da cidade. Meu primo dorme como uma pedra sobre a poltrona do motorista ("eu devo ter dirigido até aqui no 'piloto automático', sabe como é!", diria ele depois, às gargalhadas); ouço o canto dos pássaros da manhã. O mal estar e a azia tomam conta de mim; parece que minha cabeça pesa uns vinte quilos em cima do meu pescoço. Pouco depois, já tínhamos tomado banho e vestíamos roupas limpas. Agora sim, finalmente nos despedíamos definitivamente da torpeza alcoólica que nos arrebatara durante o final da noite que tinha passado. Por volta das onze da manhã, fomos eu, meu primo e a Gabi, a prima mais jovem, até um posto de serviços na rodovia; lá, todos nós comemos à vontade e pudemos nos fartar com um delicioso café da manhã. Já estávamos todos, então, sentindo-nos muito bem.

Glaucio
Enviado por Glaucio em 19/11/2008
Reeditado em 21/11/2008
Código do texto: T1292823