Dia da consciência negra
Vinte de Novembro é o dia da consciência negra. Um dos camaradas mais influentes do mundo agora é negro (ou ao menos quase).
Resolvi, portanto, tecer algumas considerações sobre o tema, e também algumas outras considerações, como de praxe, completamente descabidas.
Preliminarmente, frise-se que a consciência é negra, e não preta, que fique bem claro, mesmo que de forma obscura. Afinal, esta é uma questão assaz peculiar, uma vez que repetidamente se brada aos quatro cantos do mundo, que a forma correta (sim, sejamos corretos!!) de chamar um camarada um pouco mais provido da tal melanina é “negro”, e não “preto”.
Aos lexicógrafos, cabe apenas lamentar a infeliz decisão de tê-los escolhidos sinônimos. Porque nesse nosso novo mundo tão politicamente correto, isso já não se faz mais verdade. Não sei bem o porquê, mas agora “preto” é ofensivo, “negro” não. E quem achar ruim, que leve a alcunha de racista.
Os demais, muito alvos ou pouco alvos, podem ser chamados “brancos”, sem grandes problemas. Claro, a não ser que sejam vermelhos. Ou amarelos. Ou verdes, mesmo que atualmente se achem pouquíssimos por aí (ainda mais depois da derrota do Gabeira).
Assim, no intuito de livrarmo-nos do fado de uma eventual condenação pelo horrível crime de racismo, convém lembrarmos também, mesmo que rapidamente, de outras cores, como os roxos (ao menos em parte) e até mesmo os coloridos. Sim, os tais coloridos, que têm o arco-íris como símbolo e se rotulam minoria. Até quando, sinceramente não sei. De qualquer forma, desde que não invadam meu espaço (desde que não vá nada no meu), que continuem coloridos. Sem problemas.
Como o leitor já deveria ter percebido nesta altura do campeonato, o tal Homo Sapiens é um sujeitinho realmente complicado. Sempre foi, desde muito cedo, adestrado para segregar. Separar, dividir, rotular, demarcar...
O lema, sempre atual, ainda é: cada um no seu quadrado.
Não sei se por medo de sua própria singularidade (que, concordo, é assustadora) ou por medo da solidão (da qual não sou muito íntimo), o ser humano sempre teve uma verdadeira compulsão por rótulos: Branco, negro, judeu, amarelo, flamenguista, não-flamenguista, ortodoxo de esquerda, ortodoxo de direita, ortodoxo de centro, anti-ortodoxo, anti-ortodoxo-ortodoxo, zagueiro, atacante, protestante, budista, e por aí seguem outros tantos rótulos, boiando no eterno mar dos disparates.
Posto isso, voltemos à raça negra, afinal estamos em época de consciência negra. Logo, convém refletir a respeito do referido mote.
Para tanto, comecemos com a seguinte pergunta: Quem seriam os associados desse grupo, chamado “raça negra”?
São os negros, oras! Responderia algum desavisado.
Todavia tal resposta não é das mais fáceis.
Entre negros, pardos, amarelos, brancos, rosas, vermelhos e azuis, mora o meio termo. E o meio termo pode ser amarelo-esbranquiçado, negro-amarelado, branco-avermelhado e por aí vai. Ainda mais numa terra que recebeu colonização de diversas raças e, pra piorar, ainda conta com um carnaval de três dias com trio elétrico e regado a muita cachaça com limão: Só podia resultar em sacanagem (nada contra, muito pelo contrário, aliás) e, conseqüentemente, muita miscigenação.
Assim sendo, para fins de análise, deixemos estes, os indefinidos, numa espécie de limbo das cores, mesmo que para isso precisemos deixar a maior parte da população de lado. Bom... Já começamos segregando... Mas, enfim... Tudo pela didática.
Não há como negar que toda esta diversidade étnica somada a uma conjuntura histórica baseada em escravidão (até Zumbi tinha escravos!) resultou numa sociedade longe de ser igualitária, na qual ao menos uma coisa é certa: Os negros são mais alvos que os alvos: Alvos da polícia, claro, justamente por não terem a pele alva.
Dada a situação, há quem tente resolver o problema utilizando-se do mesmo veneno, mas desta vez com roupagem de remédio: é o chamado preconceito positivo, que ensejou as tais cotas nas universidades.
Sinceramente, não sei muito bem o que devo concluir a respeito do assunto: Não parece muito interessante exigir preconceito como pagamento pelo próprio preconceito, mas certamente também não parece nada certo cerrar os olhos para uma desigualdade notória, que certamente foi (e ainda é) reflexo de uma injustiça social.
Afinal, convenhamos: quando é pra ferrar o negão, racismo é “problema social”, e quando é pra ajudar o negão, racismo é “retrocesso”...
Certo ou errado, hoje em dia tem-se (ao menos por essas bandas) um fato curioso:
Se o camarada for levar uma geral da PM, é melhor ter nascido branco.
Se o camarada for prestar vestibular, é melhor ter nascido negro.
Se isso realmente equilibra ou não a balança, não há como saber ao certo. Ao menos não tão cedo.
Mas sinceramente desconfio que não, pois se eu tivesse que escolher, ainda preferiria ter de estudar um pouco mais para o vestibular, mas evitar borrachadas, averiguações de rotina, tapas na cara e demais gentilezas policiais, por exemplo.
E para quem for da opinião que estes abusos acontecem na mesma proporção para negros e brancos, fica aqui um convite para conhecer o Brasil. Temos belas praias, mulatas estonteantes e muita caipirinha.
No mais, imagino que não há muito que se discutir. Afinal, não é preciso ser nenhum grande gênio pra saber que caráter e capacidade não estão diretamente relacionados à quantidade de melanina da pele, ou que a cor ou o formato dos olhos é só um mero detalhe, quando comparado ao brilho destes.
O problema do preconceito não está na cor. Está na intolerância cega, ensinada aos jovens aos poucos desde muito cedo, nas entrelinhas.
Não gosta de negro? Não gosta de branco? Se tiver a cabeça tão limitada, camarada, o problema é seu.
E, além do mais, gosto é como ânus: cada um tem o seu. Porém, tenha uma coisa em mente:
Se não tolerar, certamente não será tolerado. É a lei da selva, companheiro.
E cor da pele é só mais uma ervilha da torta: Porque mesmo quando a cor é a mesma, há quem brigue por ter um Deus diferente (vide judeus e muçulmanos), ou mesmo quando a cor e o Deus são os mesmos, há quem brigue por sutis diferenças religiosas (vide católicos e protestantes), ou ainda mesmo quando a cor, as acepções políticas, religiosas e a marca de cerveja são as mesmas, ainda há quem brigue com desconhecidos pelo seu time do coração...
Posto isso, só me resta crer que mesmo se conseguíssemos que todos fossem da mesma cor, da mesma religião, do mesmo time e tomassem a mesma cerveja, além do mundo se tornar ainda mais chato (o bacana está no diferente), a própria natureza humana acabaria fazendo com que os sujeitos de cueca cinza se unissem a fim de exterminar os sujeitos de cueca azul.
Afinal, cueca azul já é demais. Simplesmente intolerável.
Só matando mesmo.