Eu costumava deleitar-me todas as tardes, quando o ocaso vinha cobrir com seu manto suave o dia morimbundo, ao descortinar lá adiante na linha do horizonte que atravessava as casas pelo caminho, deslizava pelo aeroporto à distância e finalizava num lugar inalcançável, o sol espalhando cores no céu enquanto dava seus últimos estertores e pintava o espaço com seus raios feito pincéis. Da janela do meu quarto eu grudava os olhos na cena indelével ao meu coração, sem piscar, muitas vezes munido da câmera fotográfica para captar os melhores ângulos e as mais diversas facetas solares coloridas embelezando os contornos das nuvens e fazendo do céu uma aquarela multicor. Bem fiz aprisionando na digital esses instantâneos.

Porque um dia, mais que de súbito, bem no ponto eixo onde o sol costuma deitar para dormir e esperar um novo alvorecer, alguém certamente desprovido de qualquer sentimento de romantismo, sem dúvida um ambicioso a lhe faltar um coração ou resquício de emoção estética, começou a construir um feio edifício bem na direção dos meus olhos pasmos. Construção que, paulatinamente, foi ganhando altura feito um gatuno se esgueirando para furtar e logo estava cobrindo casas, escondendo a paisagem, obstruindo a visão da pista do aeroporto e, por fim, à guisa de nódoa da qual é impossível livrar-se de tão daninha, pôs um monstruoso obstáculo entre minha visão e o espetáculo do entardecer cotidiano.

O lindo por-do-sol que me encantava e alimentava minha alma com a performance de sua poesia silenciosa, mas de cativante esplendor, de tocante candura, desapareceu por trás do cimento, dos ferros, dos tijolos, da argamassa moldada, desse tudo a formar um conjunto disforme contendo o suor dos trabalhadores e tal amontoado de material que se ia transformando num horripilante frankstein. Então, com sua face medonha mas ao mesmo tempo burlesca, ampliando as garras de harpia tétrica, sorrateiro e insidioso, num golpe viperino esperado mas que ainda assim deixou-me perplexo, roubou-me(porque violento em seu ato contra a emoção) o fascinante por-do-sol.

Agora, melancólico, acabrunhado, quando me posto à janela do apartamento e direciono o olhar para o leito do Astro-rei, só o vejo esgueirando-se por entre os lençóis de nuvens a cobrir-se para a noite que se aproxima, seus raios de luz escamoteando-se nas brechas ocasionais dos mantos nubinos e deixando rastros de suas cores festivas já sonolentas no oceano infindo do céu. E em pouco, contudo não tão pouco assim como eu deveras gostaria que fosse, é quase um repentino salto, ele se vê toldado pelo feio edifício que não arranha o céu, só o sol, daí se me torna impossível vislumbrá-lo na sua última apresentação antes de recolher-se às sombras noturnas.

Não me importo se as lágrimas descem e orvalham minhas faces; por que me envergonharia de chorar pela morte da beleza? Ser espoliado da emoção não torna um coração masculino factível do lamento em tom lacrimoso? E por que não deveria? Quando perdemos algo que fascinava nosso coração o clamor d'alma precisa ser expresso e exibido para que todos saibam quão triste ele se tornou. Assim, fico lá, ainda à janela, espiando apenas um instante de fragmentadas cores a morrer por detrás do monstro de pedra que me impede de assistir ao sol se pondo...e tentando aprender a voar para reaver o por-do-sol que me foi roubado.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 18/11/2008
Código do texto: T1290934
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