AS TERRAS DE MINHA MÃE

 

 

            Estava lendo um texto de Robertson aqui do Recanto em que ele fala das sementes de trigo ou de arroz, mas tão bonita leitura que foi entrando lembrança das terras da minha mãe.

            As terras da minha mãe não tinham sementes pra começar. Um dia ela avisou à família que comprara uma fazenda. O marido e os cinco filhos não acreditaram. Ela não deu nenhum sinal de aborrecimento por ter sido ignorada e nem meu pai e meus irmãos também não acharam nada demais a reação da família, que no mínimo seria indelicada. Eu estava em faculdade, soube depois.

            Muito antes, quando eu era criança a minha mãe sempre tinha um pedaço de terra. Morava em casa alugada com quintal. Neste quintal ela fazia maravilhas, aliás, ela sempre fazia só maravilhas. Antes de ter quintal ela alugou um terreno fora da cidade e, em todos os domingos íamos a pé passeando juntos pela estrada de terra até o local. Ela, mandona determinava e todos iam prazerosamente, espalhando poeira com os pés, cada um alegre falando alguma coisa, pois a natureza dos pastos ladeando o caminho favorecia a alegria e a fala. Havia uma passagem em que a estrada tinha uma ligeira elevação e árvores se entrecruzavam vindas dos dois lados da estrada, estradinha de roça, e a galharia era cheia de teias de aranha, e passar debaixo daquilo dava um medo que todos passavam bem depressa. Eu e meu irmão menor tínhamos o terror de antes de passar e a alegria de depois de passar, então aquilo virava uma aventura. Era sinal também que já estávamos quase chegando ao sítio. Entrar ali era uma das maiores alegrias da vida. Cada um ia fazer alguma coisa.

            Minha mãe se paramentava toda para ir cuidar das abelhas.

            Eu voava para a casinha que lá havia e meu lugar predileto era a cozinha de chão de terra batido, onde surgiu o meu primeiro desejo de       o-que-eu-seria-quando-crescesse. Tratava-se de um chão de terra que as pessoas respingavam água para varrer o pó e, com este processo, o chão ia ficando lisinho, gostoso de pisar descalça. O meu sonho era que ia ser “varredora de chão batido”. Esse sonhar era uma delícia, era o máximo sonhar com isso. Enquanto sonhava eu varria o mesmo chão com vassoura de capim, parecida com as das feiticeiras das historinhas, até minha mãe chamar para nos dar na boca nacos de favos de mel... Delícia das delícias! A volta pra casa era igualmente divertido.

            Quando teve quintal ela criou galinhas Legorn, uma raça branca e poedeira. Encarregados de pegar os ovos era eu e meu irmão, função também deliciosa catando os ovos quentinhos nos ninhos e juntando na cestinha com cuidado.

            Não satisfeita com o quintal ela cobiçou um terreno baldio e grande ao lado da nossa casa. Conversou com o dono e passou a tomar conta do lugar. E havia ao fundo uma cerca viva de amoreiras. Ela começou, então, a criar bicho-da-seda. Foi uma das coisas mais lindas que já vi. Conseguiu arrumar um espaço coberto, talvez um compartimento com prateleiras para suportar as caixinhas e outra para deixar os galhos de amora colhidos de véspera para no dia seguinte, também eu meu irmão, distribuir as folhinhas em cada caixa para alimentar as lagartas que dão origem aos casulos. E no fazer íamos vendo as coisas acontecerem. Mãe inteligente é algo lindo: ela inventa maravilhas para colorir a imaginação dos filhos e a sua própria também. Quando os casulos iam se formando e quando se fechavam, em fios de seda dourada como ouro, e faiscantes, delicadíssimos, uma magia mais requintada que os melhores filmes atuais com efeitos especiais. Com a vantagem de ser real e experimentado e não visto através as imagens.

            Passaram-se cerca de três anos e minha mãe nos convidou a todos para irem conhecer a casa que ela fizera na Fazenda. Todos se entreolharam não acreditando...

            Mas fomos todos juntos, em vários carros. Meu pai que sempre a amou, começou a querer então a acreditar. E lá chegamos, no alto da serra, um lugar fresco, de ar puro, belas montanhas e céu azul.

            Ela foi a primeira a descer e nos apresentou a casa construída e acabada no melhor local do lugar, desfrutando de um belíssimo panorama de todo o vale; uma casa de pau-a-pique toda acabada, com piso de tábuas corridas enceradas, toda pintada de branco, com oito quartinhos, uma sala comprida, banheiro e uma cozinha grande com fogão de lenha que funciona perfeitamente até hoje.

            Minha mãe nos apresentou: “este é o Catetinho”.

 

Este texto é dedicado à minha Mãe.

E a todas as mães de todos os filhos e filhas que a têm ou que a tiveram.

 

 MLuiza Martins