A Sé de Palha
Conheço a igrejinha de Nossa Senhora da Ajuda, que fica no centro histórico de Salvador, há mais de quarenta anos. No início dos anos 1960, eu a visitava todas as manhãs, quando a caminho do meu escritório.
No pequeno oratório de Santa Rita de Cássia, que enriquece o seu interior, em discreta oração, eu pedia à bondosa eleita - também protetora dos sem grana - que me desse uma ajudinha... Nunca forçava a barra. Santa Rita talvez não me visse como um devoto de finanças tão abaladas, e sim um bacharel recém-formado ainda inconformado com os modestos honorários que recebia dos seus primeiros clientes.
Do seu amparo, ela sabia, precisavam, e muito, os mendigos que, trôpegos e maltrapilhos, perambulavam, aos magotes, nas proximidades do seu oratório, hospedes das marquises da Baixa do Sapateiro.
Mas, confesso que deixava a capelinha de Santa Rita certo de que as coisas, um dia, haveriam de melhorar.
E não deu outra. Hoje, atravessando o tempo da colheita, sou um causídico aposentado sem maiores problemas. Longe até das farmácias!
Por isso, nunca me arrependi dos minutos que permaneci aos pés da milagrosa Rita de Cássia, com a minha listinha de pedidos no bolso do paletó azul-marinho, meu acompanheiro durante anos, no Fórum, e nos eventos sociais aos quais era obrigado a comparecer.
Dentre as inúmeras igrejas (365?) de Salvador, a da Ajuda, talvez por tudo o que, caro leitor, agora lhe confidenciei, ainda é, volvidos tantos anos, o meu xodó.
Dedico-lhe especial carinho. Em gratidão, superada, apenas, pela igreja de São Francisco, meu padroeiro de todos os dias; minha devoção de todas as horas.
A igreja d´Ajuda nasceu uma pequenina ermida de "taipa, coberta de ouricuri", construída pelos jesuítas, segundo os historiadores, "com as próprias mãos", no ano da fundação de Salvador, 1549.
Apesar de tosco, era considerado o mais importante templo católico do Brasil; o primeiro, admitiu Manuel Bandeira, nos seus fartos elogios à capital baiana.
Com a chegada à Bahia, em 1551, de Dom Fernandes Sardinha, a Ajuda tornou-se a primeira Sé do Brasil - a Sé de Palha.
Ao longo dos séculos, a igrejinha enfrentou sérias dificuldades. Em 1552, quase ruiu. Salvou-a o padre Manoel da Nóbrega, com a colaboração financeira, disse ele, dos "senhores honrados" da Bahia.
Anos depois, ela foi demolida. No mesmo local, surgiu, em 1579, uma nova igreja, não mais de taipa e coberta de palha, mas uma igreja de pedra e cal, continuando consagrada a Nossa Senhora da Ajuda.
Sofreu o velho templo outras modificações, até adquirir a atual fisionomia, que nada tem a ver - a não ser na sua história - com a Sé de Palha erguida pelos filhos de Inácio de Loyola, no século 16.
Lembrando-lhe o passado, restam, hoje, suas imagens, que remontam aos séculos 17 e 18, e, intacto, "delicada obra de talha colonial", o púlpito onde o padre Antônio Vieira pronunciou alguns de seus célebres sermões.
Como aquele que concitou a Deus a se arrepender pelo auxílio dado aos holandeses contra as tropas portuguesas: - "Vós haveis de ser hoje o arrependido."
Nas últimas décadas, a igrejinha da Ajuda vinha sendo esquecida. Caminhava, célere, para a degradação, enquanto os governantes preocupavam-se em recuperar o Pelourinho, cenário propício ao fortalecimento de suas ambições políticas.
Até que, em parceria com empresas privadas, o Governo do Estado resolveu recuperá-la, livrando-a de, em algum momento, ser consumida por um incêndio traiçoeiro; como o que destruiu outra histórica igreja de Salvador, a da Barroquinha, nunca reparada.
O centro histórico de Salvador, já disse ene vezes, não é só o Pelô, local de algazarra noturna e de botecos fumegantes, nem sempre bem cuidados; ou do Olodum, com seus tambores bonitos, coloridos e barulhentos.
O centro histórico de Salvador é, também, a ternura de seus templos - a Catedral Basílica, a igreja da Misericórdia, a igreja de São Domingos, a igreja de São Pedro dos Clérigos, a igreja do Rosário dos Pretos, e o complexo franciscano (igreja da Ordem Terceira, Convento e igreja de São Francisco), no Terreiro de Jesus.
E agora restaurada e mais charmosa, a igrejinha d´Ajuda, lembrando a Sé de Palha, onde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega rezaram, e o padre Antônio Vieira pregou.
Visitá-la, vale a pena; mesmo que você não acredite na sua padroeira, Nossa Senhora da Ajuda, e muito menos nos milagres de Santa Rita de Cássia...
Nota - A Igrejinha da Ajuda: como ela é hoje.
Foto de Fjucá
Conheço a igrejinha de Nossa Senhora da Ajuda, que fica no centro histórico de Salvador, há mais de quarenta anos. No início dos anos 1960, eu a visitava todas as manhãs, quando a caminho do meu escritório.
No pequeno oratório de Santa Rita de Cássia, que enriquece o seu interior, em discreta oração, eu pedia à bondosa eleita - também protetora dos sem grana - que me desse uma ajudinha... Nunca forçava a barra. Santa Rita talvez não me visse como um devoto de finanças tão abaladas, e sim um bacharel recém-formado ainda inconformado com os modestos honorários que recebia dos seus primeiros clientes.
Do seu amparo, ela sabia, precisavam, e muito, os mendigos que, trôpegos e maltrapilhos, perambulavam, aos magotes, nas proximidades do seu oratório, hospedes das marquises da Baixa do Sapateiro.
Mas, confesso que deixava a capelinha de Santa Rita certo de que as coisas, um dia, haveriam de melhorar.
E não deu outra. Hoje, atravessando o tempo da colheita, sou um causídico aposentado sem maiores problemas. Longe até das farmácias!
Por isso, nunca me arrependi dos minutos que permaneci aos pés da milagrosa Rita de Cássia, com a minha listinha de pedidos no bolso do paletó azul-marinho, meu acompanheiro durante anos, no Fórum, e nos eventos sociais aos quais era obrigado a comparecer.
Dentre as inúmeras igrejas (365?) de Salvador, a da Ajuda, talvez por tudo o que, caro leitor, agora lhe confidenciei, ainda é, volvidos tantos anos, o meu xodó.
Dedico-lhe especial carinho. Em gratidão, superada, apenas, pela igreja de São Francisco, meu padroeiro de todos os dias; minha devoção de todas as horas.
A igreja d´Ajuda nasceu uma pequenina ermida de "taipa, coberta de ouricuri", construída pelos jesuítas, segundo os historiadores, "com as próprias mãos", no ano da fundação de Salvador, 1549.
Apesar de tosco, era considerado o mais importante templo católico do Brasil; o primeiro, admitiu Manuel Bandeira, nos seus fartos elogios à capital baiana.
Com a chegada à Bahia, em 1551, de Dom Fernandes Sardinha, a Ajuda tornou-se a primeira Sé do Brasil - a Sé de Palha.
Ao longo dos séculos, a igrejinha enfrentou sérias dificuldades. Em 1552, quase ruiu. Salvou-a o padre Manoel da Nóbrega, com a colaboração financeira, disse ele, dos "senhores honrados" da Bahia.
Anos depois, ela foi demolida. No mesmo local, surgiu, em 1579, uma nova igreja, não mais de taipa e coberta de palha, mas uma igreja de pedra e cal, continuando consagrada a Nossa Senhora da Ajuda.
Sofreu o velho templo outras modificações, até adquirir a atual fisionomia, que nada tem a ver - a não ser na sua história - com a Sé de Palha erguida pelos filhos de Inácio de Loyola, no século 16.
Lembrando-lhe o passado, restam, hoje, suas imagens, que remontam aos séculos 17 e 18, e, intacto, "delicada obra de talha colonial", o púlpito onde o padre Antônio Vieira pronunciou alguns de seus célebres sermões.
Como aquele que concitou a Deus a se arrepender pelo auxílio dado aos holandeses contra as tropas portuguesas: - "Vós haveis de ser hoje o arrependido."
Nas últimas décadas, a igrejinha da Ajuda vinha sendo esquecida. Caminhava, célere, para a degradação, enquanto os governantes preocupavam-se em recuperar o Pelourinho, cenário propício ao fortalecimento de suas ambições políticas.
Até que, em parceria com empresas privadas, o Governo do Estado resolveu recuperá-la, livrando-a de, em algum momento, ser consumida por um incêndio traiçoeiro; como o que destruiu outra histórica igreja de Salvador, a da Barroquinha, nunca reparada.
O centro histórico de Salvador, já disse ene vezes, não é só o Pelô, local de algazarra noturna e de botecos fumegantes, nem sempre bem cuidados; ou do Olodum, com seus tambores bonitos, coloridos e barulhentos.
O centro histórico de Salvador é, também, a ternura de seus templos - a Catedral Basílica, a igreja da Misericórdia, a igreja de São Domingos, a igreja de São Pedro dos Clérigos, a igreja do Rosário dos Pretos, e o complexo franciscano (igreja da Ordem Terceira, Convento e igreja de São Francisco), no Terreiro de Jesus.
E agora restaurada e mais charmosa, a igrejinha d´Ajuda, lembrando a Sé de Palha, onde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega rezaram, e o padre Antônio Vieira pregou.
Visitá-la, vale a pena; mesmo que você não acredite na sua padroeira, Nossa Senhora da Ajuda, e muito menos nos milagres de Santa Rita de Cássia...
Nota - A Igrejinha da Ajuda: como ela é hoje.
Foto de Fjucá