Historieta da 1ª República Portuguesa ( à minha maneira) - Parte V

Sentados nas cadeiras do poder, os primeiros obreiros da República portuguesa tinham uma árdua tarefa em mãos.
Basílio Teles havia sido um dos nomes proclamados e aclamados na varanda do município no dia 5 de Outubro. Tinha um plano recheado de reformas sociais para o novo regime. Esperaram que viesse do Porto para tomar posse e por em prática os seus ideais. Em vão. Ninguém consegue explicar muito bem esta recusa. Na verdade ele nunca disse bem que não. Apenas protelava a sua vinda para a capital até a situação se tornar insustentável e a pasta das finanças ser por fim entregue a José Relvas. Haviam sido depositadas nele grandes esperanças. E na República também.
De uma forma sintética podemos dizer que duas formas contraditórias e inconciliáveis de entender a transição de regime se começa a esboçar desde o início do Governo Provisório.
António José de Almeida, Brito Camacho e José Relvas são conservadores e desejam uma passagem suave para uma República com poucas diferenças do antigo regime monárquico. São pessoas que se sentem mais à vontade com as classes altas do que com as bases do seu próprio partido. Curiosamente estes “conservadores” divergiram dos chamados radicais do PRP pois eram adeptos da revolução de modo a instituir a República.
Afonso Costa, apoiado por Bernardino Machado após a sua evolução para uma posição menos moderada, defendia que o novo regime necessitava de reformas profundas para proporcionar progresso ao país. Ele seguia as ideias de Basílio Teles.
O ministro da justiça começou a ver que a “Lei da Atracção” do seu colega António José estava a ter efeitos perversos. Tudo o que era monárquico e conservador aderia instantaneamente e em massa ao PRP. Temia por isso que a mudança de regime fosse apenas uma mudança de nome, de roupa, de invólucro de uma essência que no fundo permanecia a mesma.
Assim, explica Vasco Pulido Valente, que as suas medidas reformistas tiveram um intuito político e estratégico de quebrar o verniz entre pseudo-republicanos e democratas. Ou sejas: os “falsos adesivos” (também houve adesivos verdadeiros mas esses foram aceites pois aceitaram sinceramente o regime) foram obrigados a reagir e a rejeitar os republicanos moderados. António José e Brito Camacho ficaram sem base de apoio.
Como é que o Afonso conseguiu tal coisa?
Como ministro da Justiça decretou várias leis, entre as quais a lei da Imprensa, a do Inquilinato, a da Família, (que obrigava o homem a reconhecer os filhos ilegítimos) a Lei do registo Civil, e a do Divórcio. Esta última foi um escândalo! O homem foi chamado de tudo e mais alguma coisa. O mais engraçado é Afonso Costa tinha uma vida familiar exemplar. E muitos dos que o atacaram, pela pouca-vergonha de tão moderna lei, não se inibiram de fazer uso dela quando bem entenderam...
Mas a guerra infernal estoirou com a sua Lei da Separação da Igreja e do Estado. O país não estava preparado para tal mudança. Se pensarmos à luz dos dias de hoje parece lógico que o Estado e a Igreja têm de estar separados. Jesus Cristo não disse: A César o que é de César? Mas naquele tempo, os ânimos andavam muito exaltados. Os jesuítas foram obrigados a sair do país e os padres andavam furiosos. As pessoas que durante anos tinham aturado os abusos destes também não andavam mais calmos. E não tardou a criar-se uma fractura na sociedade portuguesa.
Para além das divergências numa coisa os republicanos estavam em consonância: não queriam nada com a Carbonária do Machado Santos. Como não a conseguiram extinguir incentivaram Luz de Almeida a integrar novos elementos. Machado Santos chamava-lhes: “ uns palermas que se passeiam nas ruas de punhal e pistola à cinta, a fingir que eram revolucionários e carbonários, vexando toda a gente, alegando serviços que não prestaram, para fazerem jus à gorjeta ministerial.”
Para complicar o clima Brito Camacho decidiu regulamentar a greve através de um decreto que depressa foi apelidado de decreto-burla. Pois obrigava os trabalhadores a decretarem a greve com 12 dias de antecedência. Isto dava tempo a que os patrões recrutrassem novos trabalhadores o que inviabilizava o acto. Devido ao elevado numero de desempregados iniciou-se uma guerra entre trabalhadores. De qualquer forma as greves seriam uma constante.
A vida na cidade era perigosa. Havia conflitos de toda a ordem. Os dirigentes do governo chamavam a este estado de coisas, “ a democracia da rua”. Até que chegaram as curandeiras chinesas.
Eram duas senhoras chinesas que diziam curar todas as maleitas retirando dos olhos das pessoas uns pequenos vermes. Sabe Deus o que faziam elas com pauzinhos nos olhos desses pobres coitados...
Ora alguns dos senhores ministros eram médicos. E de bom senso. Logo acharam por bem condenar a prática ilegal de medicina das senhoras. O povo é que não estava lá muito pelos ajustes. E resistiu e lutou ferozmente contra a polícia. Neste caso “ a democracia da rua” não passava de puro terrorismo de rua! Conclusão: 3 mortos, 35 feridos e 52 presos. E ainda por cima, os brutamontes dos polícias puxaram pelo rabicho das chinesas milagreiras!
As primeiras eleições vinham aí.
O que aconteceria à tumultuosa República?


AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 17/11/2008
Reeditado em 27/03/2009
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