O CINEMA

Numa clara tarde de maio, no silêncio da praça deserta mamãe surgiu determinada a realizar a tão adiada proeza, ir sozinha ao cinema. Em segundo plano ficou o ponto de ônibus, a igreja, as crianças em círculo a brincar sentadas na grama. Restou só ela e o barulho ritmado dos saltos de seus sapatos, no ar o acre perfume dos cabelos recém tingidos.

Por toda manhã elas haviam permanecido no quarto; a vizinha pintou, lavou, penteou e maquiou. Juntas escolheram o que poderia cair-lhe melhor, a cama ficou forrada de vestidos de várias cores enquanto papai se encarregava de nos manter à distância. À hora costumeira, na mesa posta para o almoço todos se reuniram, exceto mamãe. O ritual ainda prosseguia.

Às duas da tarde as crianças menores dormiram e as maiores, entre as quais me incluía, ganharam a rua à procura de mil e uma chances para diversão.

Dividido ao meio, repuxado para trás das orelhas, o seu cabelo terminava em duas graciosas tranças cor de azeviche. Quase irreconhecível de tão bonita. Com olhar enternecido a segui até a bilheteria, a porta se fechou, nas pessoas em torno de mim a serenidade beirou à monotonia.

Nova inquietação varreu a rua de um canto a outro quando o homem surgiu apressado, a lutar contra a força do vento, o rosto porejado de suor. Papai lutava para manter na cabeça o chapéu panamá de abas moles, sequer notava a onda de cumprimentos à sua passagem. Em questão de segundos superou a distância entre a praça e a primeira sessão do cinema.

Recolhi os pedaços espalhados na grama do que havia sobrado de mim, sem olhar para trás corri para o aconchego de casa.

MCC Pazzola