O maior presente

A mãe queria que ela estudasse piano. Este porem não era seu sonho.

Na verdade, nem ela sabia o que queria ou o que de fato lhe chamava atenção.

Certo dia, na sala de estudos, observou uma colega copiando imagens de uma revista em quadrinhos. Naquele momento, num insight, sentiu ser capaz de fazer o mesmo! Enxergou, com nitidez, sua capacidade! Nada disse; inquietou-se com vontade de sair; comprar imediatamente uma revista igual àquela. Queria tentar!!

E foi o que fez! Ao sair foi ao jornaleiro e comprou uma revista. Já em casa, sem fazer comentário, correu para o quarto. Pegou lápis e caderno de desenho; começou a copiar todas as ilustrações. Enxergava claramente o que fazer, desenhando com facilidade! No dia seguinte, arranjou uma folha de desenho maior e copiou a capa de outra revista: Dona Coelha e seus filhotes. Pronto o trabalho, ofereceu de presente à sua mãe. Que apesar de admirada, nada comentou a respeito.

No currículo escolar, havia aula de desenho geométrico administrado por uma senhora de cabelos grisalhos constantemente presos num coque bem fofo. Um doce de pessoa que sofria, exatamente por isso, as bagunças da turma. A jovem mantinha-se afastada de todos, era uma menina retraída; achava que poucos davam conta de sua presença.

Numa das aulas de desenho, a velha professora resolveu inovar com desenho de observação. Tarefa, para muitos, difícil de realizar. Não para aquela jovem tímida, que se viu rodeada por colegas ansiosas por ajuda. A professora observava a cena e chamou a jovem até sua mesa; Apreensiva, imaginando que seria chamada atenção por esta fazendo o trabalho das colegas, se apresentou. No entanto, para sua surpresa, a professora convidou-a a participar das aulas de desenho em sua casa!

Nem desconfiava que, naquele momento, estivesse recebendo o maior presente de toda sua vida!!

Chegou em casa e ansiosa foi contar à sua mãe sobre o convite recebido. Seu entusiasmo não foi relevante; talvez porque as aulas fossem pagas e o dinheiro, escasso... De toda a forma, obteve o consentimento para freqüentá-las, aos sábados, com a condição de, antes, arrumar e lavar a cozinha e o banheiro. Como as aulas eram das 13h às 17h, nunca conseguia chegar pontualmente e saía sempre depois...

A professora morava num agradável apartamento. Imediatamente, encantou-se com os quadros existentes no local; eram muitos e do tamanho da parede! Havia pintura acadêmica, com figuras humanas em poses perfeitas. Alguns tinham placa de medalha de ouro, conquistada em salões da Escola Nacional de Belas Artes. Croquis de trabalhadores que, mais tarde, soube terem sido feitos com estivadores do cais do porto. Sentiu que penetrava num mundo diferente de tudo a que estava habituada... Que riqueza para seu espírito!! Tudo aquilo era encantador e ficaria guardado, em sua memória e em seu coração, para o resto da vida!

Lá estavam outras professoras que participavam das aulas; formavam um grupo constantemente reunido. Ela era a aluna mais nova, e ficava deslocada, pois tinha enorme respeito as outras.

Naquele ambiente respirava-se arte: o cheiro de tinta, as conversas, as músicas - Mozart, Chopin, Handell, Bethoven. E ainda havia a poesia de Vinícius de Morais na voz de um ator português, além de Manoel Bandeira... Tudo lhe transportava a uma realidade que estava longe de pensar poder fazer parte da sua vida...

Ela só escutava... Tímida e sempre no meu canto, absorvia aquele clima jamais imaginado. Ouvia, por exemplo, falarem de Vila Lobos como um velho conhecido. Em certa ocasião, ouvira um comentário a respeito de um escritor que desejava escrever sobre Aleijadinho, mas receava o quanto teria que sofrer por isso. Não entendia como alguém poderia sofrer só por escrever algo triste!! Hoje, ela compreendo isso bem e sabe como se vive e se revive o que se escreve com alma...

Lisyt

Lisyt
Enviado por Lisyt em 16/11/2008
Reeditado em 18/11/2008
Código do texto: T1286626