Transtornos do Impulso, males do nosso tempo
Dia desses estava eu na sala de espera do consultório médico e tentava também ler a minha revista, mas não conseguia. Duas mulheres conversavam, uma delas seria atendida antes de mim; logo soube que a outra apenas a acompanhava. A primeira fazia alusão ao que lia, a outra era a sua interlocutora. Outra senhora também aguardava a sua vez , que seria após à minha, e folheava a sua revista.
A mulher que falava tinha nas mãos uma Cláudia; depois vi que era a de outubro desse ano de 2008 e a matéria a que se referia estava na página 158. Ela ligava o que lia à sua vivência e revelava ali sua angústia. O marido queria que ela participasse com ele de um evento, uma festa, parece, envolvendo os familiares dele. Ela resistia:
_ Não tenho forças, sabe? Sinto-me impotente. O irmão dele bebe muito, e não contente, incita os outros a beberem com ele. Os outros não oferecem muita resistência e bebem porque gostam ou porque é difícil resistir à força das palavras dele. As pessoas que bebem têm uma força e uns argumentos sedutores, mostram-se fortes, alegres e não admitem recusas; são insistentes. O Rodrigo é assim. Às vezes tenho pena dele, outras horas tenho medo, porque ele é perigoso para nós. Sempre que estamos com ele, depois brigamos. Meu marido não resiste, os outros irmãos também não resistem e todos passam dos limites e depois vêm as conseqüências desagradáveis entre quatro paredes. O Zezinho acha que eu não gosto da família dele, mas não é isso; é que eu não sei lidar com essa situação e tenho medo do álcool. Então prefiro não ir. Daí é que brigamos se aceitamos o convite e brigamos se não vamos às reuniões. E isso tudo interfere demais em nosso relacionamento conjugal.
A outra assentia com a cabeça, atenta que estava à conversa. Eu e a outra mulher não conseguíamos concentrar nossos pensamentos em nossas leituras por causa do dilema ali revelado de forma ininterrupta e emocionada. Depois disso a porta se abriu e a secretária anunciou o nome da paciente da próxima consulta. Entrou a senhora com o peso de seu drama e sua acompanhante. Então foi que a mulher que estava ali na sala resolveu também fazer-me a sua confidência:
_ Problemas de hoje. Eu tenho uma parente que sofre da síndrome do transtorno compulsivo de compra. Temos sofrido e lutado muito. Ela compra, compra e a casa dos pais está abarrotada, ela não usa quase nada, as coisas vão-se amontoando, ela não organiza nada, não descarta nada, ela grita muito quando falamos com ela, porque ela não quer enfrentar a realidade da doença; sim, porque isso é uma doença, uma compulsão como a do alcoolismo, do tabagismo, a compulsão pelo sexo, pelo trabalho.
Minha interlocutora fez uma pausa, eu peguei a revista, procurei a matéria de que falavam as senhoras anteriores, li e anotei. Constatei que esse último discurso é que tinha exatamente a ver com a matéria. Mas a primeira mulher parecia saber que tudo aquilo que falava estava relacionado à leitura. Eu, que partilho a idéia de que nada é coincidência, tudo é providência, tratei de anotar. Agora iniciei uma pesquisa no Google. Está tudo lá. E está tudo aí, no mundo, nas pessoas de nosso convívio, em nós. Misericórdia, Senhor!
Da revista copiei a matéria que ora transcrevo:
Quando o consumo vira doença
“ Se seu filho detona a mesada na primeira semana sem ter adquirido nada de importante, talvez ele necessite de aula de educação financeira. Mas também pode ser um caso de compra compulsiva, quando o consumo vira compensação para situações de tristeza, frustração, etc.. ‘O consumidor compulsivo precisa de psicoterapia para aprender a comprar com equilíbrio’, explica a psicóloga Tatiana Filomensky, do Ambulatório de Transtornos do Impulso, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Outros sinais de alerta: levar grande quantidade do mesmo produto e esconder o que comprou_ sinal de que ele sabe que há algo errado.”
Vi que as pessoas que expuseram os dramas de suas famílias falavam do mesmo assunto, só variava o objeto da compulsão. Comecei ontem mesmo minha pesquisa no Google. Coloquei lá: Tatiana Filomenski Transtornos do Impulso. Está tudo lá. E está infelizmente, como disse, tudo a nossa volta e dentro de nós. É preciso estar atento para os limites entre a normalidade e a doença.