O PROFESSOR MACHADO

O PROFESSOR MACHADO

Para falar no Professor Machado é preciso parar antes de começar. Talvez como o pianista, que vai se apresentar para um espetáculo no Municipal, naquele momento em que ele ainda de pé, concentrando-se, vai assentar para começar a soltar os dedos no teclado e transformar em notas todo o seu talento musical que vai deliciar todo o ambiente do teatro, momento íntimo em que ele reverencia a música que vai acontecer através de seus dedos e de seu coração que irá navegar no mundo da arte musical enlevando tudo e todos.

O professor é a profissão mais linda, a meu ver. Dele dependerá o rumo e a qualidade dos alunos que ouvem e recebem seu ensinamento, tanto como o futuro destes alunos que se tornarão indivíduos com capacidade, inteligência, discernimento, comportamento, caráter e alma. Elementos tais que propiciam a felicidade destes futuros seres sociais.

O Professor Machado era de Portugal e veio com a esposa, excelente professora de Português e suas filhas, Terezinha e Cidinha, se não me engano, desculpem Queridas, que o tempo e a distancia afastam tanta coisa. Era extraordinário professor e veio para o interior de Minas, por motivos políticos de sua terra natal. Ele era saudoso de sua pátria, mas não deixava ninguém tocar neste assunto.

Eu jovem adolescente o achava velho, mas olho pra trás e, mesmo com seus cabelos brancos, teria uns cinqüenta a sessenta anos. Alto, aprumado, postura digna e calmo, cheio de nobreza. Os olhos, o olhar mais doce deste mundo. Ele me conquistou desde o primeiro dia da aula de Matemática. Ele era enérgico. Também severo, em sala, muitos alunos tinham medo dele. Mas eu não. Sentava na primeira carteira da sala, bem defronte dele e olhos só nele e suas explanações no quadro negro. Que eram divertidíssimas, Até hoje não esqueço a Álgebra que ele ensinava substituindo o “x” e o “y” por gato e rato, eram aulas tão inteligentes, cheias de encantos, supercriativo, e ele fazia aquilo se divertindo com o trabalho e muito feliz com o que fazia.

Eu o adorava como adorava suas aulas. Ele tinha a capacidade de transformar o ensino em coisa divertida, alegre, fácil. Sua aula era tão boa, que saíamos da aula e não esquecia mais nada até às provas. De modo que não havia o que estudar, porque, permanentemente a gente já sabia tudo. Em casa fazer os exercícios era mais divertido que palavras cruzadas. Achava até pouco, queria mais exercícios. Cada folha do meu caderno recebia um desenhozinho de uma paisagem, de umas flores, um barquinho no mar, ou outras coisas que denunciavam o prazer e capricho com que eu fazia os exercícios. Chegava dia de prova, não tinha nada para aprender ou reestudar, estava tudo vivo na cabeça. Então as provas era uma grande diversão. E só tirava dez, pois não tinha como errar. Acho que, com quase todos os alunos acontecia o mesmo. Mas alguns tiravam zero. Porque alunos que não prestavam atenção e faziam má prova levavam zero mesmo. Até isso eu achava divertido e justo, pois mostrava quem não tinha prestado atenção. Aí ele zangava bravo e sério mesmo, do menino tremer, e eu divertir, pois entendia perfeitamente a cabeça do querido Mestre. Eu sei que era a aluna preferida dele, era famoso aquilo e prazeroso. Meus colegas aceitavam bem aquela distinção. Eu tinha tranças compridas e ele sempre comentava alguma coisa para minha alegria, “hoje a Luizinha veio de borboletinhas brancas” eram os laços de fitas amarrando as pontas das tranças. Todo dia tinha isto, variava a cor das fitas. Eu me sentia tão feliz! Ele era o professor mais famoso e respeitado do Colégio Leopoldinense, de Leopoldina, Minas. Sua mulher acho que era Dona Judite, professora de Português, era excelente também. Esta gostava dos meninos e meu irmão Gabriel era o encanto dela. Ela ficava meio irritada com as meninas que pareciam um bando de passarinhos, segundo ela. Por diversas vezes, em aula, as meninas faladoras, ela dizia “todas as menininhas pra fora, menininhas pra fora” meio rabugenta, meio carinhosa, e nós saíamos alegremente feito um bando de pássaros pra ir brincar no páteo.

Naquela época era Ginásio e Científico. Estávamos no final do segundo ano do Científico, faltando coisa de dois meses para terminar o ano, e minha mãe resolveu mudar pra Petrópolis no Estado do Rio de Janeiro. De modo que as minhas provas de fim de ano foram antecipadas e, no caso da Matemática sucedeu o seguinte: O Professor Machado marcou uma data antecipada para eu fazer antes, num dia marcado por ele. Era sério, estudei tudo, era o final. Chegou o dia, sentei no meu lugar e o Professor Machado se dirigiu à turma com um breve discurso, dizendo que naquele dia que seria a minha prova a ser feita enquanto rolaria a aula normal de todos os demais, que era chegada a hora de eu fazer a prova. E ele considerava que eu já tinha feito a prova e que minha nota ele ia antecipar e escrever no livro de Notas e que era DEZ e na frente de todos, ele lançou a nota escrevendo a minha aprovação, homenagem tal, que eu não precisava fazer a prova. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Nunca ninguém me tratara com tal honra. Olhos de aluna e de mestre se encontraram no silêncio que se fez na sala, e nossos corações e almas entenderam mais o que é o mundo.