Uma questão de "estilo"

UMA QUESTÃO DE "ESTILO"

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 12.11.2008)

É verdade que estilo, aqui, não passa de eufemismo para algo bem mais profundamente enraizado nos dogmas nacionais do país. Ao invés de estilo, mais apropriado seria entender o assunto como uma visão específica de mundo, como a manifestação de um apanhado de princípios instituídos e aceitos por grande parte da população.

Uma visão de mundo, ou seja, um conjunto de crenças (e certezas) sobre os princípios pelos quais encaminhar a solução de problemas e necessidades coletivas, dificilmente poderá ser rotulada como algo diferente de uma ideologia. Mesmo que se diga que as ideologias morreram.

Uma frase, por exemplo: "Nos Estados Unidos nós não distribuímos a riqueza. Nós criamos riqueza." Pode até parecer arrogância barata, mas foi proferida em campanha pelo hoje ex-candidato republicano à presidência dos EUA, John McCain. Espinafrava, evidentemente, o candidato democrata, hoje vitorioso.

O que disse Barack Obama para merecer essa patriotada de ricaço?

Negro como é, estrangeiro como tantos por lá (embora não seja nem latino, nem asiático, nem porto-riquenho, apenas africano - gente que não conta), ele olhava para os 37,3 milhões de estadunidenses pobres (12,5% da população, gente incompetente para "criar riquezas" como qualquer cidadão decente e trabalhador), via um país que não dispõe de estrutura social para desempregados (como é que nossos pais e avós diziam?: forte e saudável assim, só não pega um machado ou o cabo de uma enxada para trabalhar porque é malandro mesmo) nem de um sistema público de saúde (lá, basta ter iniciativa e persistência para conseguir as coisas, do resto o mercado cuida) e achava que já era hora de "distribuir a riqueza".

Na véspera da eleição, desesperado pelo resultado consistente das pesquisas que antecipavam sua derrota, McCain tentou a cartada decisiva. Partiu para cima do oponente com o supra-sumo do "estilo" político. Disse:

"Obama é o parlamentar mais à esquerda do Senado. Ele é quase socialista."

Isso é ideologia. O eleitor progressista, enfim, deu outra resposta; o conservador, reacionário, direitista, foi às compras: "amaldiçoando Obama e dizendo que precisavam proteger sua casa", esgotaram em muitas cidades os estoques de armas de assalto de estilo militar, como os rifles semi-automáticos Kalashnikov e AR-15.

Isto é ideologia - e tem conseqüências sérias para a vida das pessoas.

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Tempo de Eduardo Dias – Tragédia em 4 tempos", teatro, em co-autoria com Francisco José Pereira)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 15/11/2008
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