CHEGOU A HORA

Florindo acordava todos os dias antes do sol nascer e praticava sua caminhada pelo orla da praia durante uma hora. Podia estar fazendo frio, calor, chovendo ou até mesmo caindo geada; nada o demovia da sua caminhada diária. Dizia estar cuidando da saúde, fazendo exercícios para ter uma vida longa e assim aproveitar mais a vida.

Muitos de seus amigos – companheiros de longa data, dos tempos de juventude – diziam que isso era besteira, que só se morre quando chega a hora; e quando esta chega não há nada que se possa fazer. Mas Florindo não pensava assim: discordava prontamente dos amigos e confessava que nada o faria mudar de idéia, e enquanto fosse vivo, suas caminhadas na madrugada continuariam.

Certo dia Florindo acordou e viu que caia uma tempestade e raios cortavam o céu cinzento. Por um momento titubeou e pensou em não sair para caminhar. Tinha uma saúde de ferro, mas não deveria ficar abusando debaixo de toda aquela chuvarada; qualquer dia ainda poderia pegar um forte resfriado ou quem sabe uma pneumonia.

Mesmo assim levantou-se, calçou as meias, vestiu a roupa de caminhada, desceu até a portaria do prédio e ficou ali pensativo a olhar para o outro lado da rua, para o calçadão deserto. Estava meio que indeciso, sem saber se deveria atravessar a rua e encarar aquele temporal por uma caminhada apenas. Relampeava. E se um raio o atingisse? Chegou a indagar-se.

Por fim decidiu enfiar-se embaixo da chuva. Desde que começara suas caminhadas há mais de dois anos, nunca faltara uma vez e não seria uma chuva que o impedira de manter a tradição. Deu dois passos até a calçada para sentir a temperatura da água que caía. Não estava fria.

Assim, decidido a seguir em frente, ganhou impulso para atravessar a rua correndo. Nisso, ao atravessar, foi atingido por um carro em alta velocidade. Morreu na hora. Embora gozasse de uma saúde de ferro, sua hora havia chegado.